domingo, 2 de setembro de 2012

João Cabral de Melo Neto - O Ovo de Galinha

Este é o ovo do João Cabral


2 comentários:

  1. João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.

    Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Joan Miró e do poeta Joan Brossa. Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras, foi agraciado com vários prêmios literários. Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.[1]

    Foi casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve os filhos Rodrigo, Inez, Luiz, Isabel e João. Casou-se em segundas núpcias, em 1986, com a poeta Marly de Oliveira.

    Fonte:
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto

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  2. O Ovo - Poema Completo

    I

    Ao olho mostra a integridade
    de uma coisa num bloco, um ovo.
    Numa só matéria, unitária,
    maciçamente ovo, num todo.

    Sem possuir um dentro e um fora,
    tal como as pedras, sem miolo:
    é só miolo: o dentro e o fora
    integralmente no contorno.

    No entanto, se ao olho se mostra
    unânime em si mesmo, um ovo,
    a mão que o sopesa descobre
    que nele há algo suspeitoso:

    que seu peso não é o das pedras,
    inanimado, frio, goro;
    que o seu é um peso morno, túmido,
    um peso que é vivo e não morto.

    II

    O ovo revela o acabamento
    a toda mão que o acaricia,
    daquelas coisas torneadas
    num trabalho de toda a vida.

    E que se encontra também noutras
    que entretanto mão não fabrica:
    nos corais, nos seixos rolados
    e em tantas coisas esculpidas

    cujas formas simples são obra
    de mil inacabáveis lixas
    usadas por mãos escultoras
    escondidas na água, na brisa.

    No entretanto, o ovo, e apesar
    de pura forma concluída,
    não se situa no final:
    está no ponto de partida.

    III

    A presença de qualquer ovo,
    até se a mão não lhe faz nada,
    possui o dom de provocar
    certa reserva em qualquer sala.

    O que é difícil de entender
    se se pensa na forma clara
    que tem um ovo, e na franqueza
    de sua parede caiada.

    A reserva que um ovo inspira
    é de espécie bastante rara:
    é a que se sente ante um revólver
    e não se sente ante uma bala.

    É a que se sente ante essas coisas
    que conservando outras guardadas
    ameaçam mais com disparar
    do que com a coisa que disparam.

    IV

    Na manipulação de um ovo
    um ritual sempre se observa:
    há um jeito recolhido e meio
    religioso em quem o leva.

    Se pode pretender que o jeito
    de quem qualquer ovo carrega
    vem da atenção normal de quem
    conduz uma coisa repleta.

    O ovo porém está fechado
    em sua arquitetura hermética
    e quem o carrega, sabendo-o,
    prossegue na atitude regra:

    procede ainda da maneira
    entre medrosa e circunspeta,
    quase beata, de quem tem
    nas mãos a chama de uma vela.

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