sexta-feira, 25 de maio de 2018

Aquilo que eu gostaria de ser se não fosse o que sou - César Bruto

"Sempre que o tempo fresco chega, ou seja, em meados do outono, dá-me na veneta ter idéias do tipo excêntrico e exótico, como, por exemplo, desejar me tornar andorinha para voar para os países onde haja calor, ou ser formiga para me meter bem dentro de um buraco e comer os produtos guardados durante o verão, ou ser uma víbora como as do zoológico, que estão bem guardadas numa jaula de vidro com aquecimento para não ficarem duras de frio, que é o que acontece aos pobres seres humanos que não podem comprar roupa com o preço que custa, nem podem aquecer-se por falta de querosene, falta de carvão, falta de lenha, falta de petróleo e, também, a falta de prata, porque quando se anda cheio de grana pode-se entrar em qualquer taverna e virar uma boa aguardente, e é preciso ver como aquece, embora não convenha abusar, porque é do abuso que vem o vício e é do vício que vem a degenerescência, tanto do corpo como das taras morais de cada qual, e quando se descamba pelo declive fatal da falta de boa conduta em todos os sentidos, já nada nem ninguém o salva de acabar no mais espantoso caixote de lixo do desprestígio humano, e nunca lhe darão uma mão para tirá-lo lá de dentro, do lixo imundo no qual se contorce, nem mais nem menos do que se fosse um condor, que quando jovem soube correr e voar pelo pico das altas montanhas, mas que ao ficar velho caiu a pique como bombardeiro por lhe ter falhado o motor moral. E oxalá aquilo que estou escrevendo sirva a alguém, para que olhe bem o seu comportamento e não se arrependa quando for tarde e tudo já tiver ido por água abaixo por culpa sua!"

CÉSAR BRUTO,
Aquilo que eu gostaria de ser se não fosse o que sou
(capítulo: Cachorro são-bernardo).