sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Pastor Triste — William Butler Yeats (Poema)

O Pastor Triste
William Butler Yeats

Houve um homem a quem a Pena fez seu amigo
e ele, sonhando com a sua importante amiga
foi com passos lentos pelas areias
fugidias e rumorosas, onde acodem
as onda encrespadas sob o vento:
e clamou às estrelas, que desçam
de seus pálidos tronos a alivia-lo
porém elas riram e cantaram.
E então o homem de quem a Pena se fez amigo
gritou: Mar lúgubre, ouve a minha lastimável história!
O mar seguiu seu curso e deu seu antigo grito silencioso,
rodando entre colinas sonolento.
Ele deixou de perseguir a glória deste,
e detendo-se em um ameno vale remoto
gritou a sua história para as rutilantes folhas de orvalho.
Mas nada ouviram, pois ela ouvem somente
o som de seu próprio gotejar.
E logo o homem a quem a Pena se fez amigo
buscou outra vez a praia, e falou para uma concha,
e pensou, cantarei minha penada história
até que, fazendo eco, minhas palavras
enviem sua tristeza através de um coração oco e perolado
e cante para mim a minha própria história
e alivie as minhas palavra sussurradas
e, aí, meu antigo pesar desapareça.
Cantou então parado à margem perolada;
mas o triste habitante do oceano
retornou quando ele cantou em seu gemido inarticulado
entre suas bordas confusas, esquecendo-o.

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Do livro Encruzilhadas, 1889
Tradução de Herman Schmitz

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Sobre estar doente — Virginia Woolf (fragmento)


Sobre estar doente



Considerando quão comum é a doença, quão tremenda a transformação espiritual que ela produz, quão assombrosos, quando as luzes da saúde baixam, os países ignotos que são então expostos, que ermos e desertos da alma um ligeiro ataque de gripe põe à vista, que precipícios e gramados salpicados de flores brilhantes uma pequena elevação da temperatura revela, que antigos e empedernidos carvalhos são desarraigados em nós pelo ato da enfermidade, como descemos ao poço da morte e sentimos as águas da aniquilação pouco acima de nossas cabeças e despertamos pensando nos encontrar na presença dos anjos e dos harpistas quando temos um dente extraído e chegamos à superfície na cadeira do dentista e confundimos seu “Enxágue a boca... Enxágue a boca” com a saudação de Deus curvando-se do piso do Céu para nos dar as boas-vindas – quando pensamos nisso, como somos tão frequentemente forçados a fazer, torna-se realmente estranho que a doença não tenha tomado o seu lugar ao lado do amor, da batalha e do ciúme entre os temas principais da literatura.



Virginia Woolf “On Being Ill", 1926.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O Menino Inerme — Bertolt Brecht (miniconto)

O Menino Inerme

Bertolt Brecht


"O senhor K., falando do péssimo hábito de deixar passar em silêncio as injustiças, contou esta pequena história. Um transeunte quis saber de um rapazinho em lágrimas a razão de suas penas.

— Eu tinha nas mãos dois marcos para pagar uma entrada de cinema — disse o menino —, quando chegou um garoto mais forte do que eu e me arrancou um deles das mãos.

E apontou um jovem, que ainda podia ser visto a uma certa distância.

— E você não pediu socorro? — perguntou o passante.

— Claro — respondeu o menino, soluçando ainda mais forte.

— E ninguém o ouviu? — indagou ainda o estranho, acariciando-o amavelmente.

— Não... — soluçou o garoto.

— Quer dizer que você não tem capacidade vocal, que o habilite a gritar com mais força? — interrogou o homem. — Nesse caso, passe já pra cá esse outro marco!

Tomando-o, meteu-o no bolso e continuou tranquilamente o seu caminho."

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