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sábado, 6 de agosto de 2016

Um Louco — Guy de Maupassant (Conto)

UM LOUCO

Guy de Maupassant


Ele morreu como chefe de um tribunal de alta instância, magistrado íntegro cuja vida impecável era citada em todas as cortes da França. Advogados, jovens conselheiros e juízes o cumprimentavam inclinando-se profundamente, em sinal de enorme respeito, diante de sua figura alta, branca e magra, iluminada por dois olhos brilhantes e profundos.

Passara a vida perseguindo o crime e protegendo os fracos. Escroques e assassinos nunca haviam tido inimigo mais temível, pois ele parecia ler, no fundo de suas almas, seus pensamentos secretos, e desvendar, com um passar de olhos, todos os mistérios de suas intenções.

Morreu então, aos 82, cercado de homenagens e acompanhado pelo lamento de todo um povo. Soldados de calças vermelhas o escoltaram até seu túmulo e homens de gravatas brancas lançaram sobre seu caixão palavras tristes e lágrimas que pareciam verdadeiras.

Pois bem, eis o estranho papel que o escrivão, desnorteado, descobriu na escrivaninha onde ele costumava trancar os dossiês dos grandes criminosos.

Seu título era:

POR QUÊ?

20 de junho de 1851 — Saio da sessão. Condeno Blondel à morte! Por que, afinal, havia aquele homem matado seus cinco filhos? Por quê? Muitas vezes encontramos pessoas para quem destruir a vida é uma volúpia. Sim, sim, deve ser uma volúpia, talvez a maior de todas, pois matar não é o que mais se assemelha a criar? Fazer e destruir. Estas duas palavras encerram a história dos universos, toda a história dos mundos, tudo o que existe, tudo! Por que matar é embriagador?

Pensar que ali está um ser que vive, que anda, que corre… Um ser? O que é um ser? Essa coisa animada, que traz em si o princípio do movimento e uma vontade que determina esse movimento! Essa coisa a nada se prende. Seus pés não se unem ao solo. É um grão de vida que se mexe sobre a terra; e este grão de vida, vindo não sei de onde, podemos destruir como quisermos. E então nada, mais nada. Apodrece, acaba.

26 de junho — Por que, então, é crime matar? É, por quê? Pelo contrário, é a lei da natureza. Todo ser tem como missão matar: ele mata para viver e mata por matar.

Matar está em nossa índole; é preciso matar! O animal mata sem parar, o dia todo, a todo instante de sua existência. O homem mata sem parar para se alimentar, mas como tem necessidade de matar também por volúpia, ele inventou a caça! A criança mata os insetos que encontra, os passarinhos, todos os pequenos animais que lhe caem nas mãos. Mas isto não basta à irresistível necessidade de massacre que há em nós. Não é suficiente matar o animal, precisamos também matar o homem. Antigamente, satisfazia-se este desejo com os sacrifícios humanos. Hoje, a necessidade de viver em sociedade fez do assassinato um crime. Condena-se e pune-se o assassino! Mas como não podemos nos entregar a este instinto natural e impiedoso da morte, aliviamo-nos de tempos em tempos por meio de guerras onde todo um povo destrói outro povo. Temos então uma orgia de sangue, uma orgia na qual se precipitam os exércitos e da qual continuam a se embebedar os burgueses, mulheres e crianças que leem, à noite, sob a lamparina, a narrativa exaltada dos massacres.

E poder-se-ia dizer que desprezamos aqueles destinados a realizar essas carnificinas de homens! Não. Nós os cobrimos de honrarias! Nós os vestimos com ouro e tecidos brilhantes, eles usam plumas na cabeça, enfeites sobre o peito, e nós lhes damos cruzes, recompensas, títulos de toda natureza. Eles são orgulhosos, respeitados, amados pelas mulheres, aclamados pela multidão, unicamente porque têm por missão espalhar o sangue humano! Eles arrastam pelas ruas seus instrumentos de morte que o passante vestido de negro olha com inveja. Porque matar é a grande lei lançada pela natureza no coração do ser! Nada há de mais belo e mais honorável do que matar!

30 de junho — Matar é a lei; porque a natureza ama a eterna juventude. Ela parece gritar em todos os seus atos inconscientes: “Depressa! Depressa! Depressa! ” Mais ela destrói, mais se renova.

2 de julho — O ser, o que é o ser? Tudo e nada. Pelo pensamento, ele é o reflexo de tudo. Pela memória e pela ciência, é um resumo do mundo, do qual traz em si a história. Espelho de coisas e espelho de fatos, cada ser humano toma-se um pequeno universo no universo!

Mas viaje, veja fervilharem as raças, e o homem nada mais é! Mais nada, nada! Suba num barco, afaste-se da margem coberta pela multidão e logo nada verá além da costa. O ser imperceptível desaparece, de tão pequeno e insignificante. Atravesse a Europa num trem veloz e olhe pela janela. Homens, homens, sempre homens, inúmeros, desconhecidos, que fervilham nos campos, que fervilham nas ruas; camponeses estúpidos sabendo apenas revirar a terra; mulheres horrendas sabendo apenas fazer a sopa do macho e engravidar. Vá às índias, vá à China, e continuará a ver agitarem-se milhares de seres que nascem, vivem e morrem sem deixar mais traços do que a formiga esmagada nas estradas. Vá ao país dos negros, refugiados em barracos de barro; ao país dos árabes brancos, abrigados sob uma barraca marrom que flutua ao vento, e compreenderá que o ser isolado, determinado, não é nada, nada. A raça é tudo! O que é o ser, o ser qualquer de uma tribo errante do deserto? E essas pessoas, que são sábias, não se inquietam com a morte. O homem não conta para eles. Mata-se seu inimigo: é a guerra. Isto já era feito outrora, de castelo em castelo, de província em província.

Sim, atravesse o mundo e veja fervilharem os humanos incontáveis e desconhecidos. Desconhecidos? Ah! Eis a palavra do problema! Matar é crime porque nós enumeramos os seres. Quando eles nascem, nós os inscrevemos, nomeamos, batizamos. A lei os captura! É claro! O ser que não é registrado não conta; mate-o na campina ou no deserto, mate-o na montanha ou na planície, dá na mesma! A natureza ama a morte; ela não pune!

O que é sagrado, por exemplo, é o estado civil! Claro! É ele quem defende o homem. O homem é sagrado porque está inscrito no estado civil! Respeito ao estado civil, o Deus legal! De joelhos!

O Estado pode matar, porque ele tem o direito de modificar o estado civil. Quando ele faz decapitar 200 mil homens numa guerra, ele os risca em seu estado civil, ele os suprime pela mão de seus escrivães. Está feito. Mas nós, que não podemos alterar as escrituras dos cartórios, nós devemos respeitar a vida. Estado civil, gloriosa Divindade que reinas nos templos das municipalidades, eu te saúdo. És mais forte que a Natureza. Ah! Ah!

3 de julho — Matar deve ser um saboroso e estranho prazer, ter ali, diante de si, o ser vivo, pensante; fazer um pequeno furo, apenas um pequeno furo, ver escorrer esta coisa vermelha que é o sangue, que faz a vida, e só ter diante de si um monte de carne mole, fria, inerte, vazia de pensamento!

5 de agosto — Eu, que passei minha vida julgando, condenando, matando pelas palavras pronunciadas, matando pela guilhotina aqueles que haviam matado pela faca, eu! eu! se eu fizesse como todos os assassinos que atingi, eu! eu! quem saberia?

Quem saberia? Desconfiariam de mim, de mim, sobretudo se escolhesse um ser que não tivesse qualquer interesse em suprimir?

15 de agosto — A tentação! A tentação entrou em mim como um verme que rasteja. Ela rasteja, ela vai; ela passeia por todo o meu corpo, por meu espírito, que só pensa nisto: matar; por meus olhos, que sentem necessidade de olhar para o sangue, de ver morrer; por meus ouvidos, pelos quais passa sem cessar alguma coisa desconhecida, horrível, dilacerante e aterradora, como o último grito de um ser; por minhas pernas, onde treme o desejo de ir, de ir ao local onde a coisa acontecerá; por minhas mãos que se agitam com a necessidade de matar. Como deve ser bom, raro, digno de um homem livre, acima dos outros, senhor de seu coração e que busca sensações refinadas!

22 de agosto — Eu não podia mais resistir. Matei um animalzinho para ensaiar, para começar.

Jean, meu empregado tinha um canário numa gaiola suspensa à janela do escritório. Mandei-o fazer umas compras e peguei o passarinho em minha mão na qual eu sentia bater seu coração. Ele sentia calor. Subi para o meu quarto. De vez em quando, eu o apertava com mais força; seu coração batia mais depressa, era atroz e delicioso. Quase o sufoquei. Mas eu veria o sangue.

Então peguei a tesoura, uma tesourinha de unhas, e cortei-lhe a garganta com três golpes, bem devagar. Ele abria o bico, tentava escapar de mim. Mas eu o segurava, ah!, eu o segurava — eu teria segurado um buldogue — e vi o sangue escorrer. Como é belo, vermelho, reluzente, claro o sangue! Eu tinha vontade de bebê-lo. Molhei nele a ponta de minha língua! É bom. Mas tinha tão pouco sangue esse pobre passarinho! Não tive tempo de gozar daquela visão como gostaria. Deve ser fantástico ver sangrar um touro.

E depois fiz como os assassinos, como os de verdade. Lavei a tesoura, lavei minhas mãos; joguei fora a água e levei o corpo, o cadáver, para o jardim para enterrá-lo. Enfiei-o debaixo de um pé de morango. Nunca o encontrarão. Comerei todos os dias um morango daquele pé. Realmente, como se pode gozar a vida, quando se sabe!

Meu empregado chorou; ele acredita que seu pássaro fugiu. Como suspeitaria de mim? Ah! Ah!

25 de agosto — E preciso que eu mate um homem! É preciso.

30 de agosto — Está feito. Como é pouco!

Eu tinha ido passear no bosque de Vernes. Não pensava, não, em nada. Eis uma criança no caminho, um garotinho que comia um pão com manteiga. Ele pára ao me ver passar e diz:

— Bom dia, seu presidente.

E o pensamento me entra na cabeça: "E se eu o matasse?"

Respondo:

— Está sozinho, meu menino?

— Estou sim, senhor.

— Sozinho no bosque?

— Estou sim, senhor.

A vontade de matá-lo me inebriava como álcool. Aproximei-me devagar, certo de que ele iria fugir. E eis que o pego pela garganta... eu o aperto, aperto-o com toda a minha força! Ele me olhou com olhos de pavor! Que olhos! Redondos, profundos, límpidos, terríveis! Nunca senti uma emoção tão brutal… mas tão curta! Ele segurava meus punhos com suas mãozinhas, e seu corpo se retorcia como uma pluma ao fogo. Então não se mexeu mais.

Meu coração batia, ah! O coração do pássaro! Atirei o corpo no fosso, depois joguei mato por cima.

Voltei para casa, jantei bem. Como é pouco! A noite, eu estava muito alegre, leve, remoçado, estive na casa do prefeito. Acharam-me espiritual.

Mas não vi o sangue! Estou tranquilo.

30 de agosto — Descobriram o cadáver. Procuram o assassino. Ah! Ah!

1º de setembro — Prenderam dois andarilhos. Faltam provas.

2 de setembro — Os pais vieram me ver. Choraram! Ah! Ah!

6 de outubro — Nada descobriram. Algum vagabundo errante teria feito aquilo. Ah! Ah! Se eu tivesse visto o sangue escorrer, acho que estaria tranquilo agora.

10 de outubro — A vontade de matar me corre pelos ossos. É comparável aos males de amor que nos torturam aos 20 anos.

20 de outubro — Mais um. Eu ia pela margem do rio, depois do almoço. E vi, debaixo de um salgueiro, um pescador adormecido. Era meio-dia. Uma pá parecia estar, de propósito, plantada num campo de batatas ali perto.

Eu a apanhei, voltei; ergui-a como uma clava e, de um só golpe, com a lâmina, rachei a cabeça do pescador. Ah! ele sangrou! Um sangue rosado, cheio de miolos! Escorria para a água, bem devagar. E eu parti num passo grave. Se me tivessem visto! Ah! Ah! Eu daria um excelente assassino.

25 de outubro — O caso do pescador provoca um grande tumulto. Acusam seu sobrinho, que pescava com ele.

26 de outubro — O promotor afirma que o sobrinho é culpado. Todos na cidade acreditam nisso. Ah! Ah!

27 de outubro — O sobrinho defende-se bem mal. Tinha ido à aldeia comprar pão e queijo, afirma. Jura que mataram o seu tio durante sua ausência! Quem acreditaria nele?

28 de outubro — O sobrinho quase confessou, de tanto que o fizeram perder a cabeça! Ah! Ah! A justiça!

15 de novembro — Há provas arrasadoras contra o sobrinho, que herdaria os bens do tio. Eu presidirei o julgameto.

15 de janeiro — À morte! à morte! à morte! Fiz com que fosse condenado à morte. Ah! Ah! O advogado de acusação falou como um anjo! Ah! Ah! Mais um. Irei assistir à execução.

10 de março — Acabou. Ele foi guilhotinado esta manhã. Está muito bem morto! Muito bem! Aquilo me deu prazer! Como é bonito ver cortar a cabeça de um homem! O sangue jorrou como uma corrente, como uma corrente! Oh! Se eu pudesse, gostaria de me banhar nela. Que vontade de me deitar ali embaixo, de receber aquilo em meus cabelos e em meu rosto, e de me levantar todo vermelho, todo vermelho! Ah! Se soubessem!

Agora esperarei, posso esperar. Seria preciso tão pouco para me deixar apanhar.

O manuscrito continha ainda muito mais páginas, mas sem relatar qualquer crime novo.

Os médicos alienistas, a quem ele foi confiado, afirmam existir no mundo muitos loucos ignorados, tão hábeis e tão temíveis quanto este monstruoso demente.


***

Título original: Un Fou
Publicado pela primeira vez em 1885
Tradução de CELINA PORTOCARRERO

quarta-feira, 9 de março de 2016

Guy de Maupassant — Correspondencia (em espanhol)

Correspondencia



DE LA SEÑORA DE X*** A LA SEÑORA DE Z***


Etretat, viernes


Mi querida tía: Poco a poco me acerco a usted. Estaré en Fresnes el dos de septiembre, víspera de la apertura de la caza, a la cual no faltaré; quiero mortificar a esos hombres. Es usted demasiado buena, adorada tía, les permite el día ese, cuando está sola con ellos, que coman sin cambiar de ropa y hasta sin afeitarse, bajo pretexto de fatiga.

Así que celebran infinito que yo no esté ahí. Pero estaré y pasaré revista, como un general, a la hora de comer, y al que encuentre un poco descuidado, nada más que un poco, le enviaré a la cocina con la servidumbre.

Los hombres de hoy día tienen tan pocos miramientos y poseen tan mal la ciencia de bien vivir, que es menester mostrarse severa con ellos. Estamos verdaderamente en el reinado de la ordinariez. Cuando disputan se provocan con insultos de mozo de cordel, y en presencia de nosotras se conducen muchísimo menos bien que nuestros criados. En los baños de mar es donde hay que verlos. Se encuentran allí en compactos batallones y puede juzgárselos en masa. ¡Oh! ¡Que seres tan groseros son!

Figúrese usted que en el tren uno de ellos, un señor que ofrecía a primera vista buen aspecto, gracias a su traje, se quitó en mi presencia las botas para reemplazarlas por unas zapatillas. Otro, un viejo que debe de ser un palurdo enriquecido –son los más mal educados–, y que iba sentado frente a mi, puso con delicadeza ambos pies sobre el asiento, casi encima de mis ropas. Eso está bien visto.

En los balnearios es un desencadenamiento de grosería. Debo agregar una cosa: mi indignación obedece tal vez a que no tengo la costumbre de tratar comúnmente a las personas que aquí se ven, pues su género me chocaría, sin duda, menos, si lo observase con más frecuencia.

En el despacho de la fonda fui casi derribada por un joven que tomaba su llave por encima de mi cabeza. Otro me dio un tropezón tan fuerte, sin decir «¡Dispense usted!», ni descubrirse, al salir de un baile del Casino, que me quedó dolorido el pecho. He ahí cómo son todos. Mirémosles abordar a las mujeres en la terraza; apenas si las saludan. Llevan sencillamente la mano al sombrero. Por otra parte, como todos están calvos, más vale que así lo hagan.

Pero hay una cosa que me exaspera y me choca sobre todo, y es la libertad que se toman de hablar en público, sin ninguna índole de precauciones, de las aventuras más escabrosas. Cuando dos hombres están juntos, se refieren, con las más crudas palabras y las reflexiones más abominables, historias verdaderamente horribles, sin inquietarse en modo alguno aunque les oiga una mujer. Ayer mismo, en la playa, me vi en la necesidad de marchar de donde estaba para no ser por más tiempo la confidente involuntaria de un sucedido picante, contado en términos tan violentos, que me sentía tan humillada como enfurecida de haber tenido que oír aquello. La más elemental ciencia de la vida, ¿no debía enseñarles a hablar bajo de esas cosas cerca de nosotras?

Etretat es, al propio tiempo, el país de los chismes, y, además, la patria de las comadres. De cinco a siete se las ve vagar en busca de maledicencias, que llevan de grupo en grupo. Como usted, querida tía, me tenía dicho, el chismorreo es un síntoma de raza en las gentes ruines y en los espíritus pequeños. Es también el consuelo de las mujeres que ya no son amadas ni cortejadas. Me basta mirar a las que se designa como más charlatanas para persuadirme de que no se equivoca usted.

El otro día asistí a una velada musical en el Casino, dada por una artista notable, la señora Massón, que canta deliciosamente. Tuve ocasión de aplaudir también al admirable Coquelin, así como a dos encantadores alumnos del Vaudeville, M*** y Metlet. Y con tal motivo pude ver juntos a todos los veraneantes que este año han venido a Etretat. No hay muchas personas distinguidas.

Al siguiente día fui a almorzar a Yport. Reparé allí en un hombre barbudo que salía de una gran casa construida en forma de ciudadela. Era el pintor Juan Pablo Laurens. Según parece, no tiene bastante con enumerar sus personajes; quiere enumerarse él mismo.

Luego me encontré sentada en la playa, junto a un hombre todavía joven, de aire apacible y fino, de aspecto reposado, que leía versos. Y los leía con atención tal, con tanta pasión, mejor dicho, que ni siquiera me miró.

Esto me chocó algo, y pregunté a nuestro bañista, sin aparentar mucho desde luego gran interés, el nombre de aquel caballero. Interiormente me reía un poco de aquel lector de rimas; me parecía algo atrasado, para ser un hombre. «Es –me decía interiormente– alguna cándida criatura.» Pues bien, querida tía; ahora estoy loca por el desconocido. Figúrate que se llama Sully Prudhomme. Volveré a sentarme junto a él para mirarle detenidamente. Su cara, sobre todo, tiene un gran carácter de tranquilidad y de finura. Habiéndose presentado alguien preguntando por él, oi su voz, que es suave, casi tímida. Este sí que no ha de decir groserías en público, ni tropezará con las mujeres sin excusarse. Debe de ser un delicado, pero un delicado casi enfermizo, un vibrante. Este invierno procuraré que me lo presenten.

No sé nada más, querida tía, y la dejo a usted a toda prisa por no perder la hora del correo. Le beso a usted las manos y las mejillas.


Su fiel sobrina,

Berta de X***


P.S.–Debo no obstante agregar, en favor de la cortesía francesa, que nuestros compatriotas son en viaje modelos de atención, si se los compara con los abominables ingleses, que parecen haber sido educados por mozos de cuadra, pues tanto se cuidan de no molestarse y de molestar a sus vecinos.


DE LA SEÑORA DE Z*** A LA SEÑORA DE X***




Les Fresnes, sábado.


Mi querida nena: Me dices muchas cosas razonables; pero eso no impide que no tengas razón. Como a ti, en otro tiempo me indignó mucho la descortesía de los hombres, que me parecía ,me faltaban a cada instante; mas, envejeciendo y pensando en todo, perdiendo mi coquetería, y observando, sin preocuparme para nada de mí, me he convencido de que, si los hombres no son siempre corteses, las mujeres, en cambio son siempre de una grosería incalificable.

Creemos nosotras que todo nos está permitido, estimando a la vez que todo se nos debe, y cometemos voluntariamente actos desprovistos de esa elemental ciencia de la vida de que tú hablas con pasión.

Encuentro hoy, por el contrario, que los hombres tienen muchos más miramientos para con nosotras que nosotras para con ellos. Por otra parte, querida, los hombres deben ser, y son, lo que les hacemos ser. En una sociedad en que las mujeres fuesen verdaderas grandes señoras, todos los hombres serian verdaderos hidalgos.

Vamos a ver; observa y reflexiona.

Dos mujeres se encuentran en la calle. ¡Qué actitud! ¡Qué miradas tan ofensivas! ¡Qué desprecio en los ojos! ¡Qué movimiento de cabeza de arriba abajo para examinar y condenar! Y si la acera es estrecha, ¿crees que una de ellas cederá el paso y pedirá se le dispense? ¡De ningún modo! Cuando dos hombres se tropiezan en una calleja angosta, ambos se saludan y desaparecen al propio tiempo; mientras que nosotras nos precipitamos vientre contra vientre, nariz contra nariz, mirándonos con insolencia.

Dos mujeres que se conocen se encuentran en una escalera delante de la puerta de una amiga a quien la una acaba de ver y que la otra va a visitar. Y se ponen a hablar obstruyendo el paso. Si alguien sube detrás de ellas, hombre o mujer, ¿crees que se molestarán en apartarse un poco? ¡De ningún modo!

El pasado invierno esperé, reloj en mano, veintidós minutos a la puerta de un salón. Y detrás de mí dos caballeros aguardaban también, sin parecer tan prontos a enfadarse como yo lo estaba. Y es que desde hacia tiempo se hallaban acostumbrados a nuestras inconscientes insolencias.

El otra día, antes de salir de Paris, iba yo a comer, con tu marido precisamente, a una fonda de los Campos Elíseos para tomar el fresco. Todas las mesas estaban ocupadas. El mozo nos rogó que esperásemos.

Divisé entonces en el salón a una anciana señora de noble aspecto que acababa de pagar su gran cuenta y se disponía a salir. Me vio, me miró de pies a cabeza, y no se movió. Durante más de un cuarto de hora permaneció allí, inmóvil, poniéndose los guantes, recorriendo con las miradas todas las mesas, considerando con quietud a los que esperaban como yo. Pues bien: dos jóvenes que acababan de comer, habiendo reparado en mí, llamaron a toda prisa para pagar y me ofrecieron su sitio, llegando hasta esperar en pie la vuelta del camarero.

Ya ves cómo es a nosotras a quienes debiera enseñarse la cortesía, y que la tarea sería tan ruda que ni el mismo Hércules podría con ella.

Me hablas de Etretat y de las gentes que chismorrean en esa linda playa. Es un país acabado, perdido para mí, pero donde me divertí mucho en otro tiempo.

Éramos allí unos pocos, gente de la buena sociedad y artistas, fraternizando. No se chismorreaba entonces.

Y como no teníamos el insípido casino donde se presume, se cuchichea y se baila estúpidamente, donde se fastidia la gente hasta la profusión, buscábamos la manera de pasar alegremente las veladas. Y ¿adivinas qué imaginó entonces uno de nuestros maridos? Pues ir a bailar todas las noches a una de las granjas de las cercanías.

Partíamos en tropel con un piano de manubrio, que ordinariamente hacía funcionar el pintor –Le Poittevin, cubierta la cabeza –con un gorro de algodón. Dos hombres llevaban linternas. Íbamos en procesión, riendo y charlando como locas.

Se despertaba al dueño de la granja, a las sirvientas, a los criados. Nos hacíamos preparar sopa de cebolla–¡horror!–, y bailábamos bajo los manzanos, a los acordes de la caja de música. Los gallos, despertándose, cantaban en la profundidad de los edificios; los caballos se agitaban sobre la paja de los establos. El fresco aire de la campiña nos acariciaba la piel, trayéndonos el aroma de las hierbas y el de las mieses segadas.

¡Qué lejos, qué lejos queda esto! ¡Han pasado treinta años desde entonces!

No quiero, amada sobrina, que vengas para la apertura de la caza. ¿Por qué matar la alegría de nuestros amigos imponiéndoles tocados mundanos en ese día de placer campestre y violento?


Un abrazo de tu vieja tía,

Genoveva de Z***


***
in Contes Divers, 1882.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Morta — Guy de Maupassant (Conto fantástico)



A Morta

Guy de Maupassant



Eu a amei perdidamente! E por que amamos? É mesmo estranho ver no mundo somente um ser, ter no espírito um pensamento único, no coração um desejo, na boca um só nome: um nome que se eleva incessantemente, que sobe, como a água de uma fonte, do íntimo da alma à flor dos lábios, e que se pronuncia, que se repete, que se murmura continuamente, por toda parte, como uma prece elegíaca.

Não contarei nossa história. O amor tem só uma, a mesma de sempre. Encontrei-a na vida e amei-a. Eis tudo. E durante um ano vivi de sua carícia, no aconchego de seus braços, embalado por sua voz, iluminado por seu olhar, aprisionado, envolvido, ligado a tudo que emanava de seu ser, mas de tal maneira que não sabia quando era tarde ou aurora, que ignorava se era morto ou vivo, sobre a terra ou fora da terra...

E ela morreu!

Como? Não sei mais!

Ela saiu numa noite chuvosa e retornou encharcada; e, no outro dia, tossiu. Tossiu por uma semana, de cama.

O que aconteceu? Não sei mais.

Os médicos chegavam, receitavam, partiam... Vinham remédios e uma mulher os ministrava. Suas mãos ardiam. A sua fronte estava úmida e quente. Tinha um olhar brilhante e triste. Eu falava com ela, ela me respondia. O que dissemos um ao outro? Não sei mais! Esqueci tudo, tudo!

E ela morreu... Lembro-me ainda de seus suspiros, tão fracos, os últimos. A enfermeira murmurou apenas — “Ah!”. E eu compreendi, compreendi tudo!

Não soube de mais nada. Nada! Ouvi um padre dizer: “sua amante”. Parecia que a insultava. Pois já que ela morrera, ninguém mais tinha o direito de saber disto. Eu o mandei embora. Veio um outro, muito bom, muito meigo.

Eu chorei quando ele me falou sobre ela.

Consultaram-me a respeito de mil coisas relativas ao enterro. Não sei mais de nada. Entretanto, recordo-me tão bem do caixão, do ruído das marteladas, de quando a encerraram lá dentro!...

E ela foi enterrada! Enterrada! Ela, numa cova! Vieram poucas pessoas, alguns amigos. Fugi. Saí a caminhar muito tempo pelas ruas. Depois voltei para casa. No outro dia, viajei.

Retornei hoje a Paris.

Quando revi o meu quarto — o nosso quarto, o nosso leito, os nossos móveis, toda essa casa onde ficara, tudo o que resta de uma vida após a morte — apoderou-se de mim uma mágoa tão intensa que tive necessidade de escancarar as janelas e precipitar-me na rua. Não podia viver no meio dessas coisas, dessas paredes que a encarceraram, e que deviam conservar ainda, em suas fissuras imperceptíveis, átomos dela, da sua carne, do seu hálito. Pus o chapéu para sair. De repente, ao transpor a porta, passei pelo grande espelho do vestíbulo, que ela mandara instalar ali para se ver todos os dias, de alto a baixo, para ver se estava bem vestida, correta e elegante, das botinas ao arranjo dos cabelos.

E me detive diante desse espelho que tanta vez a tinha refletido. Tantas vezes que ainda devia guardar a sua imagem. Imóvel, trêmulo, fixei os olhos no vidro liso, profundo, vazio, que encerrara ela toda, que a possuíra tanto como eu, como o meu olhar apaixonado... Parecia que esse vidro nunca fora frio! Quanta saudade!

Saudade! Espelho doloroso e ardente, espelho vivo e horrível que me faz sofrer tantas torturas! Felizes dos homens em cujo coração, como num espelho em que reflexos deslizam e se apagam, esquece tudo o que conteve, tudo o que se passou diante dele, tudo o que se contemplou em sua aflição e no amor!

Saí torturado e, alheado de mim mesmo, sem desejar, sem o saber, pus-me a caminho do cemitério. Achei seu túmulo muito singelo, na simplicidade de uma cruz de mármore com algumas palavras:

“Amou, foi amada e morreu”.

 

Ela estava ali, ali embaixo, putrefeita. Que horror! Eu chorava, soluçava, à luz de um sol de tarde.

E assim fiquei muito tempo, muito tempo. Depois olhei em torno: uns farrapos de noite enlutavam o espaço. Então, um desejo bizarro, louco, um desejo de amante, desvairado, tomou-me avidamente. Quis passar a noite junto dela, a noite última, a chorar em seu túmulo.

Mas me veriam. Iriam me expulsar. Que fazer? Ergui-me e comecei a errar pela cidade morta dos desaparecidos.

E eu andava, andava... Como é pequena esta cidade, comparada à outra, à outra onde vivemos. Todavia, como os mortos são mais numerosos do que os vivos! Precisamos de altas construções, ruas enormes, tanto lugar para as quatro gerações que, ao mesmo tempo, enxergam a luz do sol, bebem água da fonte, o vinho das vinhas e comem o trigo dos campos.

E para todas as gerações dos mortos, para toda a escala da humanidade vinda até nós — quase nada —, um pedaço de chão... quase nada! A terra se apodera deles, o esquecimento apaga lembranças dos seus rostos. Adeus.

Ao fim do cemitério habitado vi, de repente, o cemitério em abandono, onde os defuntos, ressequidos de velhos, acabam por se confundir com o solo, onde as próprias cruzes apodrecem e onde serão amanhã enterrados os que vierem por último. Viceja de rosas silvestres, de ciprestes vigorosos e negros, um jardim triste e magnífico, nutrido de carne humana.

Estava só, inteiramente só. Apoiei-me a uma árvore verde. Escondi-me entre as suas ramagens pesadas e sombrias e esperei, agarrado ao tronco, como um náufrago sobre destroços.

***

Quando baixou a noite escura, muito escura, deixei meu refúgio e comecei a caminhar mansamente, a passos lentos e surdos, sobre essa terra cheia de mortos.

Andei a esmo muito tempo, muito tempo. Não a encontrava. De braços estendidos, olhos escancarados, tateando as catacumbas com as mãos, com os joelhos, com o peito, errava sem a encontrar. Tocava, apalpava, como um cego à procura de um caminho, apalpava lajes, cruzes, grades de ferro, coroas de vidro, coroas de flores mutiladas. Tateava nomes, com meus dedos, correndo-os sobre as letras. Que noite! Que noite!

Nem uma réstia de luar! Que noite! Tive medo, um pavor alucinante, nesses caminhos estreitos, entre as fileiras de túmulos! Túmulos! Túmulos, sempre túmulos! À minha volta, além, mais além, por toda a parte, túmulos!

Sentei-me sobre uma sepultura. Não podia mais andar, porque meus joelhos vergavam de exaustos. Ouvia o meu coração bater. Ouvia outro ruído, também. O que era? Um ruído confuso, inexplicável. Vinha esse ruído no meu cérebro alucinado, da noite impenetrável, ou da terra misteriosa, adubada de cadáveres humanos? Olhei ao redor.

Quanto tempo fiquei assim? Não sei. Estava paralisado pelo terror, desvairado de espanto, quase a desfalecer, quase a morrer.

De súbito, tive a impressão de que a laje da tumba em que eu me sentara se movia. Movia-se como se alguém a levantasse. De um salto, precipitei-me sobre o túmulo próximo e vi, sim, eu vi a pedra erguer-se lentamente e surgir um esqueleto nu, que a empurrava com os ombros. Via muito bem, via tudo, não obstante a escuridão da hora. Pude ler sobre a cruz:

“Aqui repousa Jacques Olivant, morto aos cinquenta anos. Amou os seus, foi bom e honesto e morreu na paz do Senhor”.

 

Agora o morto lia também as coisas gravadas na lápide tumular. Tomou depois uma pedra pontiaguda e pôs-se a raspar com cuidado o epitáfio. Apagou-o lentamente, cravando a órbita vazia no lugar em que estava escrito. E com a ponta do osso que fora o seu indicador, escreveu em letras luminosas, com estas linhas que as crianças riscam na parede com um pirilampo vivo:

“Aqui repousa Jacques Olivant, morto aos cinquenta anos. Abreviou com crueldade os dias de seu pai, de quem desejava herdar, maltratou a esposa, atormentou seus filhos, traiu seus vizinhos, roubou quanto pôde e morreu miserável”.

 

Terminando, o morto ficou a contemplar a sua obra. E eu vi, voltando-me, que todos os túmulos se abriam, que todos os cadáveres os deixavam, que todos apagavam as lisonjas, escritas pelos parentes na pedra funerária, para restabelecer a verdade.

E vi que todos tinham sido carrascos do próximo, odiosos, hipócritas, mentirosos, caluniadores, invejosos, e que haviam roubado, traído, praticado os atos mais vergonhosos, mais abomináveis, todos estes bons pais, estes maridos fiéis, estes filhos dedicados, estas donzelas castas, estes comerciantes probos, estes homens e estas mulheres irrepreensivelmente honestos.

Escreviam todos ao mesmo tempo, no pórtico de sua morada eterna, a cruel, a terrível, a santa verdade que os vivos sobre a terra ignoravam ou fingiam ignorar.

Lembrei-me de que ela devia também riscar a sua legenda.

Já sem medo algum, correndo por entre as covas abertas, por entre os cadáveres, precipitei-me para onde com certeza a encontraria.

E sobre a cruz de mármore, onde antes se lera: “Amou, foi amada e morreu”, vi agora:

“Saindo um dia para trair o seu amante, adoeceu sob a chuva e morreu”.

 

Parece que, ao raiar do dia, levaram-me inanimado da beira do túmulo.

***


Título Original: La Morte
Ano: 1887
Tradução de autor desconhecido em 1909 (Recuperação, atualização ortográfica e adaptação textual: Paulo Soriano.)