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domingo, 8 de março de 2020

Jane Austen sem as partes chatas #Resenha

JANE AUSTEN (1775–1817)


A prosa de Jane Austen tem o decoro ideal do século XVIII. É convencional demais para o lirismo, mas eleva a inteligência a ponto de transformá-la em beleza. A prosa perfeita que Gibbon usou para o declínio e queda do Império Romano é usada por Austen para o declínio e queda da vaidade de uma garota provinciana. Seu humor nos passa a impressão de ser um subproduto de sua limpidez – as piadas são tão bem integradas no padrão perfeito que só reparamos que Austen as fez depois que já estamos rindo. Ela faz o uso mais elegante possível do humor inexpressivo.

O principal a se saber sobre os romances de Jane Austen é que eles são literatura escapista. Você não precisa ser esperto para gostar de Jane Austen, nem ser muito atento, nem se preparar para fazer um exercício mental. Tudo de que você precisa são olhos. Se você deixar o livro no chão, quando voltar para casa o gato estará lendo. O público entendeu isso há muito tempo, e a moderna “indústria Austen” está espalhando uma pilha de livros, biografias, filmes e séries spin-off. Sendo assim, você deve estar pensando que não é possível ter sobrado alguém que ainda não tenha sido apresentado às obras dela. Mas uma grande parcela da população ficou completamente de fora: os homens.

A combinação de seu gosto pelas boas maneiras, sua obsessão pelo casamento, pelo sexo de suas protagonistas e pelo seu próprio sexo fez com que muitas gerações de homens heterossexuais sentissem que ler Jane Austen seria equivalente a vestir roupas de mulher em casa. Não queremos forçar a barra, mas os leitores homens deveriam reconsiderar essa ideia. Em Jane Austen, não encontramos muitos dos elementos que fazem com que as comédias românticas sejam insuportáveis para os homens. Mesmo sendo histórias de amor, Austen tende a pular a parte das confissões de amor e também a dos casamentos, dos sentimentos e dos beijos. Ela usa o enredo de casamento como um simples suporte para um milhão de comentários sarcásticos. Na verdade, os livros são mais como situações de comédia da vida diária, ambientadas no século XVIII, em que a situação exige que se “consiga casar as filhas”.

Orgulho e Preconceito é o livro mais engraçado. Tem também a melhor história de amor e o menor falatório. Os personagens principais, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, são um exemplo clássico do casal que expressa sua tensão sexual através de brigas. O pai da heroína, que vive para ridicularizar as pessoas, é exatamente o que um romance de Austen precisa para passar do engraçado ao hilário.

Emma talvez seja um romance mais compacto, mas com premissas falhas e sem nenhum personagem que vive para ridicularizar aos outros. As premissas: Emma está sempre tentando casar todas as garotas que conhece, mas nunca pensa em homens para si mesma, até que repentinamente se dá conta de que está apaixonada. Sua paixão secreta se dirige a um amigo da família com o dobro de sua idade, a quem ela vê quase todos os dias desde que era criança. Austen se safa dessa – por pouco – por nunca nos fazer pensar na imagem do noivo brincando de cavalinho com a bebê Emma sentada em seus joelhos. Além disso, em alguns momentos Emma dá sinais de que está se transformando em um personagem que vive para ridicularizar os outros.

O resto dos romances serve, principalmente, para você se consolar por ter terminado Orgulho e Preconceito. Ou são muito batidos ou não têm conteúdo. A escrita é igualmente bela, mas a ausência de um personagem que vive para ridicularizar as pessoas parece um desperdício. Aqui está a melhor ordem para lê-los depois que você tiver terminado de ler Orgulho e Preconceito pela primeira, segunda e terceira vez: Emma, Persuasão, Razão e Sensibilidade, Mansfield Park, A Abadia de Northanger.

Para terminar: existe um debate para saber se Jane Austen é superestimada (e se, na verdade, suas obras são só livrinhos para mocinhas) ou subestimada (e se ela é uma grande autora menosprezada por causa de seus temas femininos). A minha opinião? Todos os livrinhos para mocinhas são subestimados e todos os grandes autores são superestimados. O tomate é um fruto ou um legume? Moral da história: nada que é bom pode ser ruim.

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Sandra Newman. História da literatura ocidental sem as partes chatas

terça-feira, 12 de junho de 2018

Emma. Jane Austen. #Citação #capa


Emma WOODHOUSE, bela, inteligente e rica, com uma família acomodada e um bom caráter, parecia reunir em sua pessoa os melhores dons da existência; e tinha vivido perto de vinte e um anos sem que quase nada a afligisse ou a zangasse.

Era a menor das duas filhas de um pai muito carinhoso e indulgente e, como conseqüência das bodas de sua irmã, desde muito jovem tinha tido que fazer de ama de casa. Fazia já muito tempo que sua mãe tinha morrido para que ela conservasse algo mais que uma confusa lembrança de suas carícias, e tinha ocupado seu lugar uma institutriz, mulher de grande coração, que se tinha feito querer quase como uma mãe.

A senhorita Taylor tinha estado dezesseis anos com a família do senhor Woodhouse, mais como amiga que como institutriz, e muito afeiçoada com as duas filhas, mas sobre tudo com a Emma. A intimidade que havia entre elas era mais de irmãs que de outra coisa. Até antes de que a senhorita Taylor cessasse em suas funções nominais de institutriz, a brandura de seu caráter poucas vezes lhe permitia impor uma proibição; e então, que fazia já tempo que tinha desaparecido a sombra de sua autoridade, tinham seguido vivendo juntas como amigas, muito unidas a uma à outra, e Emma fazendo sempre o que queria; tendo em grande estima o critério da senhorita Taylor, mas regendo-se fundamentalmente pelo seu próprio.

O certo era que os verdadeiros perigos da situação da Emma eram, de uma parte, que em tudo podia fazer sua vontade, e de outra, que era propensa a ter uma idéia muito boa de si mesmo; estas eram as desvantagens que ameaçavam mesclar-se com suas muitas qualidades. Entretanto, no momento o perigo era tão imperceptível que em modo algum podiam considerar-se como inconvenientes deles.

Chegou a contrariedade -uma pequena contrariedade-, sem que isso a turvasse absolutamente de um modo muito visível: a senhorita Taylor se casou.
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