terça-feira, 16 de junho de 2015

Silêncio Brilhante — Spencer Holst (Conto muito curto)



SILÊNCIO BRILHANTE 
Spencer Holst


Dois ursos Kodiak nativos do Alasca entraram para um pequeno circo em que se apresentavam numa parada noturna puxando um carro coberto por uma lona. Os dois foram ensinados a dar cambalhotas, a girar, a ficar apoiados em suas cabeças, e a dançar sobre suas pernas traseiras, pata com pata, os passos em harmonia. Debaixo dos holofotes os ursos dançarinos, um macho e uma fêmea, logo se tornaram os favoritos da multidão. O circo foi para o sul numa turnê pela costa oeste através do Canadá até a Califórnia e continuou para baixo até o México, passando pelo Panamá em direção à América do Sul, cobrindo os Andes na extensão do Chile em direção àquelas ilhas mais ao sul da Terra do Fogo. Lá um jaguar atacou o ilusionista, e depois feriu mortalmente o treinador de animais, e as pessoas, chocadas, debandaram em desalento e horror. Na confusão os ursos tomaram o seu próprio caminho. Sem um dono, eles vagaram a sós pela selva naquelas ilhas subantárticas densamente arborizadas e assoladas por ventos violentos. Completamente isolados das pessoas, numa ilha remota e deserta, e numa atmosfera que lhes era ideal, os ursos se acasalaram, prosperaram e se multiplicaram, e depois de numerosas gerações povoaram toda a ilha. De fato, passados alguns anos, os descendentes dos dois seguiram para meia dúzia de ilhas adjacentes, e depois de 70 anos, quando os cientistas finalmente encontraram e com entusiasmo estudaram os ursos descobriu-se que todos eles, levando-se em conta que eram ursos, apresentavam esplêndidos truques circenses.


Às noites, quando o céu está limpo e a lua cheia eles se reúnem para dançar. Reúnem os filhotes e os jovens ursos num círculo ao seu redor. Reúnem-se e se juntam, abrigados do vento no centro de uma cratera circular e cintilante produzida por um meteorito que havia caído num leito de calcário. Suas paredes vítreas são brancas como cal, seu chão plano está coberto com cascalhos brancos, e, além disso, o local conserva-se escoado e seco. Nenhuma vegetação cresce por ali. Quando a lua surge no céu, a luz refletida nas paredes inunda a cratera como uma poça de claridade, fazendo com que o a superfície do fundo seja duas vezes mais brilhante do que qualquer outro lugar naquela vizinhança. Cientistas especulam que originalmente a lua cheia lembrava os dois ursos dos holofotes do circo, e por isso eles dançavam. Ainda assim alguém poderia perguntar que músicas os descendentes dançavam? Pata com pata, os passos em harmonia... Que música eles podem ouvir, afinal, dentro de suas cabeças enquanto dançam sob a lua cheia e a Aurora Austral, enquanto dançam imersos num silêncio brilhante?



in Flash Fiction: 72 very short stories. Nova Iorque: Norton, 1992.