sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Intersecções — Cleber Pacheco (resenha)

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Intersecções de Cleber Pacheco
Resenha por Herman Schmitz

Li este livro em apenas uma tarde, mesmo tentando me controlar para ler bem devagar, foi impossível. Depois disso ainda continuo folheando aqui e ali, pois sempre há algo para a captar-se. 

O livro é um devir que compactua com o tempo e a vida. É como um sopro da própria vida que se sente respirar de dentro do livro. Cleber Pacheco consegue de forma magistral um equilíbrio de linguagem entre a poética de imagens sutis e elegantes, e do outro lado, a prosa que narra o cotidiano simples e despojado de um casal, que em alguns parágrafos chegam a inquietar com as sugestões implícitas nas palavras efetivamente impressas.

Um dos temas do livro é o desejo. Os personagens fazem muitas listas, que são desejos sob pontos de vista diferentes. Ambos veem as necessidades de manutenção da casa e da vida, de compras de objetos de uso pessoal, de afazeres em geral, de um modo quase antagônico: 

"Poderia comprar um cão para deitar-se ao meu lado enquanto leio o jornal.  
Poderia comprar um gato para deitar-se em meu colo enquanto olho as revistas.
Poderia fazer mais ginástica e corrida para fortalecer os músculos.
Poderia fazer mais passeios para tomar chá com as amigas."

Portanto, o mais impactante no livro está no alcance "para além" dessas descrições breves, pois a maneira como o autor as vai interpolando, adquire um texto de fundo com um sentido maior ao livro, na verdade é mais que um sentido lógico, é um sentimento, uma espécie de paz que só nos ocorre em contato com as obras de arte mais genuínas. 

Sobre o autor
Cleber Pacheco tem Licenciatura Plena em Letras e Especialização em Filosofia: Epistemologia das Ciências Sociais. É mestre em Literatura Brasileira. Publicou livros em diversos gêneros literários: poesia, conto, novela, romance, teatro e crítica literária. Tem publicações em diversos países: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Índia, Irlanda. Recebeu prêmios em teatro, poesia e crônica. Seu livro "Mysteries" foi premiado nos Estados Unidos. Faz parte do Conselho Editorial do International Journal of English Studies and Literature.

Título: Intersecções
Autor: Cleber Pacheco
Número de páginas: 92
Tamanho: 14cm X 21cm
ISBN: 978-85-5833-108-1
Editora: Penalux

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Antropologia da Arte

Arte - Alfred Gall

O antropólogo britânico Alfred Gell (1945-1997) desenvolve seu conceito de arte como parte de sua proposta de estabelecimento de uma nova antropologia da arte. Responsável por uma rotação de perspectivas nesse domínio, Gell revisa conceitos como obra de arte, artefato, tecnologia da arte, estética, encantamento, magia e estilo, o que resulta em uma complexa teoria sobre a agência do objeto artístico.

No artigo “A tecnologia do encanto e o encanto da tecnologia” (1992), o autor considera as diversas artes como partes de um vasto e frequentemente não reconhecido sistema técnico, que ele denomina “tecnologia do encanto”. Nessa perspectiva, objetos de arte seriam fruto de uma atividade técnica de transubstanciação engenhosa de materiais e das ideias a eles associados. Gell reivindica aí o emprego de um “filisteíismo metodológico”, postura de total indiferença do antropólogo no tocante ao valor estético das obras de arte. Para elucidá-la, utiliza como exemplo objetos de arte criados com a intenção de funcionar como “armas” em uma “guerra psicológica”; é o caso das tábuas que ornam as proas das canoas dos participantes do kula, sistema de trocas realizado pelas populações das ilhas Trobriand. A intenção por trás do uso dessas tábuas é fazer com que os parceiros da troca que estão em outras ilhas, ao observarem as canoas chegando, se deslumbrem a ponto de perderem os sentidos, oferecendo braceletes e colares mais valiosos do que de costume. A eficácia dos objetos de arte como componentes da tecnologia do encanto e o poder de fascinação que exercem são resultantes do encanto da tecnologia empregados em sua construção. Gell prioriza, assim, a análise da eficácia do objeto de arte, seu poder de agência.

No artigo “On Coote's ‘Marvels of everyday vision’” (1995), por sua vez, Gell realiza uma crítica à posição defendida pelo antropólogo britânico Jeremy Coote de que haveria sociedades que, mesmo sem produzir arte, possuiriam um conceito de estética. Coote utiliza como exemplo o conjunto de categorizações de cores, formas e padrões produzidos pelos Dinka do Sudão a partir das manchas e da coloração do gado, e que são projetadas na classificação de tudo aquilo que tange sua visualidade no dia a dia. A objeção de Gell a essas teses, que defendem a existência de uma estética Dinka, se volta ao pressuposto de que obras de arte não devem ser reduzidas a artefatos, podendo também englobar vegetais, seres animados, pinturas corporais e tatuagens, entre outros. A própria forma como os Dinka criam e enfeitam alguns de seus bois, enaltecendo e cultuando suas qualidades e atributos por meio de poemas e canções os convertem, para o autor, em objetos de arte. Para ele, razões estéticas (como a de “beleza”) são indissociáveis de razões práticas (como a de auferir “prestígio”). Em suma, sua crítica à posição de Coote reside em mostrar que não existe uma antropologia da estética que não seja também uma antropologia da arte, ou mais precisamente, uma antropologia dos objetos de arte. Também no ensaio “A rede de Vogel: armadilhas como obras de arte e obras de arte como armadilhas” (1996), Gell advoga o abandono da noção de estética pela antropologia da arte – que almeja desfazer distinções correntes entre obras de arte e “meros” artefatos – analisando a presença de uma rede de caça tradicional Zande em uma exposição de arte contemporânea. Se, ao veicularem significados, as obras de arte encarnam intencionalidades complexas, também os instrumentos, ao evocarem os nexos sociais de sua produção e uso, seriam candidatos potenciais à adjetivação de obras de arte.

Essas teses sobre o objeto artístico, desenvolvidas em uma série de artigos e intervenções do autor em debates acadêmicos, desembocarão no seu mais conhecido (e inacabado) livro sobre o tema, Art and Agency: an Anthropological Theory (1998). Lançada postumamente, a obra contem a proposta de uma metodologia para a antropologia da arte. Gell inova ao afirmar, na contra-corrente, que a arte seria menos um suporte de comunicação de sentidos simbólicos, que um sistema de ação e de mediação de relações sociais. Ao rejeitar definições sociológico-institucionais, estéticas e semióticas do objeto artístico – agora renomeado como “índice” – o autor propõe uma definição teórica, com ênfase nos seus processos de agência, intenção, causação, resultado e transformação.

O conceito de arte que Gell delineia ao longo de sua obra tornou-se uma referência incontornável para os estudos de antropologia da arte, devido às suas críticas aos limites das abordagens estética (oriunda da filosofia), institucional (da sociologia), interpretativa (da própria antropologia) e das aproximações de cunho mais historicista ou formalista (polarizadas entre os campos da história e da crítica de arte). Em diversos contextos etnográficos – que vão desde as terras altas da Papua-Nova Guiné, passando pela Oceania, Sul da Ásia, Índia e chegando até as terras baixas da Amazônia – as formulações de Alfred Gell permitiram que diversos antropólogos, impactados pelas possibilidades teóricas abertas pelo autor, não mais dissociassem a produção e a circulação de objetos de arte de suas propriedades de agência e de sua relação com tópicos de interesse da Antropologia que vão além do campo de estudo da arte.


E A, A enciclopédia
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