É curioso que os
romancistas nos façam acreditar que os almoços são invariavelmente memoráveis
por algum dito espirituoso ou algum feito muito sábio. Mas eles mal dizem uma
palavra sobre o que se comeu. Faz parte de seu costume não mencionar sopa e
salmão e pato, como se a sopa e o salmão e o pato não tivessem importância,
como se ninguém fumasse um charuto ou tomasse uma taça de vinho. Aqui, contudo,
tomarei a liberdade de desafiar esse costume e contar a vocês que o almoço
naquela ocasião iniciou-se com linguado – afundado em uma travessa –, sobre o
qual o cozinheiro da universidade espalhou uma camada de um creme muito branco,
a não ser pelas manchas marrons que o maculavam aqui e ali como as pintas nos
flancos de uma corça. Depois disso vieram as perdizes, mas, se vocês pensaram
em uma ou duas aves amarronzadas e peladas, estão enganadas. As perdizes,
muitas delas, vieram com uma comitiva de molhos e saladas, os picantes e os
doces, cada um a seu tempo; as batatas, finas como moedas mas não duras demais;
os brotos, folhosos como botões de rosa, porém mais suculentos. Nem bem
terminamos com o assado e seu séquito, e o serviçal silencioso, talvez o
próprio bedel em uma aparição mais discreta, colocou diante de nós, em meio a
uma guirlanda de guardanapos, um doce do qual emergiam ondas de açúcar.
Chamá-lo de pudim, e assim relacioná-lo com arroz ou tapioca, seria um insulto.
Nesse meio-tempo as taças de vinho jorravam amarelo e jorravam carmim; foram
esvaziadas; foram completadas. E assim, aos poucos, acendeu-se no meio da
espinha, a base da alma, não aquela luz elétrica rígida que denominamos
inteligência, que entra e sai dos lábios, mas o brilho mais profundo, sutil e
subterrâneo que é a forte chama da comunicação racional. Sem que precisássemos
correr. Sem que precisássemos brilhar. Sem que precisássemos ser alguém que não
nós mesmos. Todos nós vamos para o céu, e Van Dyck é quem nos guia – em
outras palavras, como a vida parecia boa, como eram doces suas recompensas,
como pareciam triviais esta rixa ou aquela mágoa e admiráveis a amizade e as
companhias enquanto, acendendo um bom cigarro, nós nos afundávamos entre as
almofadas do sofá sob a janela.
Virginia Woolf. Um Teto Todo Seu, 1929.
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