quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós, 1875 (excerto)


 Amaro achava aquelas unhas admiráveis, porque tudo que era ela ou vinha dela lhe parecia perfeito: gostava da cor dos seus vestidos, do seu andar, do modo de passar os dedos pelos cabelos, e olhava até com ternura para as saias brancas que ela punha a secar à janela do seu quarto, enfiadas numa cana. Nunca estivera assim na intimidade duma mulher. Quando percebia a porta do quarto dela entreaberta, ia resvalar para dentro olhares gulosos, como para perspectivas dum paraíso: um saiote pendurado, uma meia estendida, uma liga que ficara sobre o baú, eram como revelações da sua nudez, que lhe faziam cerrar os dentes, todo pálido. E não se saciava de a ver falar, rir, andar com as saias muito engomadas que batiam as ombreiras das portas estreitas. Ao pé dela, muito fraco, muito langoroso, não lhe lembrava que era padre; o Sacerdócio, Deus, a Sé, o Pecado ficavam embaixo, longe, via-os muito esbatidos do alto do seu enlevo, como de um monte se veem as casas desaparecer no nevoeiro dos vales; e só pensava então na doçura infinita de lhe dar um beijo na brancura do pescoço, ou mordicar-lhe a orelhinha.

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O Crime do Padre Amaro
Eça de Queirós
1875

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