terça-feira, 28 de julho de 2015

Com a arte não se brinca — Julio Cortázar e Man Ray

O Presente, Man Ray.


Man Ray pensava em seu ferro de engomar cheio de pregos e outros estupendos objetos quando afirmou: De maneira nenhuma eles deviam ser confundidos com as pretensões estéticas ou o virtuosismo plástico que em geral se espera das obras de arte. Naturalmente - acrescentava a corujinha de óculos pensando na tal senhora -, os visitantes da minha exposição ficavam perplexos e não se atreviam a divertir-se, porque uma galeria de pintura é considerada um santuário onde não se brinca com a arte.

E não se atreviam a divertir-se. Man Ray, como você gostaria de ter ouvido o que eu ouvi alguns meses atrás em Genebra, onde uma galeria da cidade velha prestava uma homenagem ao Dadá. Lá estava justamente o seu ferro cheio de pregos, e enquanto a senhora lá de cima o contemplava com gélido respeito, uma garota ruiva mantinha esse diálogo exemplar com outra quase loura:

— No fundo, não é tão diferente do meu ferro.

— Como assim?

— É, com esse você se espeta e com o meu você se queima.


***

Julio Cortázar – A Volta ao Dia em 80 Mundos, 1967.

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