domingo, 24 de novembro de 2024

Campos de Carvalho - Se eu fosse Deus


 

Samuel Beckett - Escritor


 

Baudelaire - Sobre os sonhos


 

Como escrevo - Paul Auster (trechos de entrevista a Michael Wood)

Como escrevo

Paul Auster (trechos de entrevista a Michael Wood da Paris Review)



ENTREVISTADOR

Vamos começar falando sobre seu método de trabalho. Sobre como o senhor escreve.

PAUL AUSTER

Sempre escrevi à mão. Quase sempre com uma caneta tipo tinteiro, mas às vezes a lápis — especialmente para fazer correções. Se fosse capaz de escrever direto no computador ou numa máquina de escrever, eu escreveria. Mas teclados sempre me intimidaram. Nunca consegui pensar direito com meus dedos naquela posição. Uma caneta é um instrumento muito mais primitivo. A gente sente as palavras saindo do corpo para, então, gravá-las na página. Escrever sempre teve esse caráter tátil para mim. É uma experiência física.

ENTREVISTADOR

E o senhor escreve em cadernos. Não em blocos ou em folhas avulsas.

AUSTER

Sim, sempre em cadernos. E tenho um fetiche em particular pelos cadernos quadriculados — aqueles com quadradinhos no lugar das linhas.

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Extraído de: The Paris Review Interviews

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Café em Prosa - Cenas de café da manhã na literatura brasileira

Café em Prosa 


Banquete Literário: Cenas de Café da Manhã na Literatura Brasileira

Este primeiro volume da coleção Banquete Literário convida você a saborear as manhãs de personagens da literatura brasileira. Cenas de Café da Manhã na Literatura Brasileira é uma seleção única de trechos literários que revela o início do dia de personagens em crônicas, romances e contos. Do café coado ao pão fresco, cada passagem traz detalhes que revelam hábitos e gostos — um retrato da vida doméstica e cotidiana de diversas épocas e regiões.

Organizado por Herman Augusto Schmitz, este volume faz parte de uma série dedicada a explorar como a culinária se reflete na ficção. Uma leitura deliciosa tanto para os apaixonados por literatura quanto para os curiosos sobre as tradições alimentares brasileiras. Em breve, outros volumes da coleção trarão cenas de almoços, jantares, festas e muito mais.

Prepare-se para mergulhar em uma viagem pela cultura alimentar do Brasil, através das palavras de nossos grandes autores!


Café em Prosa 

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Francesco Alberoni - A inveja

 


Jawaharlal Nehru — O tempo da ciência e da espiritualidade

 


Donizete Galvão — Fachada (poema)

 


Fernando Pessoa — Saber que a vida é verdadeira

 



Eurípedes - Questione tudo


 

Carlos Drummond de Andrade - A ilusão do migrante

 


Carl Jung - O inferno das paixões

 




quarta-feira, 21 de junho de 2023

A Rosa Mística — Poemas de Cleber Pacheco - Posfácio de Herman Augusto Schmitz (2023)

25 anos de poesia

Antes de tudo quero agradecer ao amigo Cleber Pacheco pelo convite para fazer parte dessa sua bem vinda comemoração de aniversário poético de 25 anos de pratica e de sensibilidade.

Um livro nunca está sozinho. São filhos que o autor cria com muito carinho. Sua obra já considerável entre contos e romances, sempre se pontuou com a presença da poesia. Sendo esta, a combinação das muitas faculdades necessárias para se escrever em prosa, acrescida com a musicalidade em seu ritmo próprio, entre o semântico e o fonético, com suas pausas e seus timbres, trazendo ao leitor reflexões do seu eu-lírico.

Em seu último livro de poemas "Poemas orgânicos", Cleber faz um mergulho no corpo biológico, nas entranhas da vida e da natureza, e de onde ele renasce rejuvenescido.

Em "A Rosa Mística" o poeta perscruta a alma, o sentido do oculto, do alegórico e do hermenêutico. Trazendo ao nível do leitor, reflexões com a autoridade de quem pratica o espiritualismo, especialmente o oriental ao longo dos anos, e é a essa sua voz interior, nascida da meditação e da contemplação, que concordamos em ouvir no formato de uma poesia iniciática.

A rosa, por sua cor de sangue derramado, já é um símbolo de renascimento místico. Podemos contemplá-la como uma mandala ou um centro de força, como no símbolo Rosacruz, ou a rosa de sete pétalas, cada uma evocando um metal. No caso dessa poética, esse simbolismo floral é também o de uma manifestação de saída das águas primordiais, acima das quais o poeta se eleva e abre a morada do seu ser.

Os círculos da rosa, também simbolizam um final de processo, onde eliminou-se as arestas e se mostra um produto final, com uma ordem de ideia, de simetria, de lógica e de claridade.

Cleber Pacheco consegue uma atmosfera anímica e afetiva, sem acentuar nenhuma corrente gnóstica específica, pois nos deparamos com elementos do catolicismo, do espiritismo, do paganismo e da espiritualidade oriental, em uma conjugação ecumênica com uma linguagem poética de grande compressão no encadeamento dos versos e uma cuidadosa pontuação, algo sempre arriscado em termos de poesia, mas que aqui atuam como marcações precisas para o fôlego do leitor.

Espero que esses versos tenham o alcance de público que ele merece, pois temos enfim, uma cosmologia poética altamente espiritual, de grande auxílio nesses tempos em que vivemos, entre tantas descrenças, materialismos e esse desmedido desprezo pela essência humana.

Meus parabéns e boa sorte!

Herman Augusto Schmitz

Poeta e Mestre em Letras – Estudos literários (UEL)

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A Rosa Mística

Cleber Pacheco (Poemas)

Editora Penalux (www.editorapenalux.com.br)

2023



sábado, 15 de abril de 2023

Importante é Demonstrar - Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes)

 


Citação inspiradora de Arthur Conan Doyle, o criador do famoso personagem Sherlock Holmes. Segundo o qual, "O importante não é o que sabemos, meu caro Watson, mas sim o que podemos demonstrar." Essa frase nos lembra que ter conhecimento é importante, mas ainda mais importante é ser capaz de aplicar esse conhecimento na prática e demonstrar seus resultados.

quinta-feira, 9 de março de 2023

A "haute cuisine" norte-americana em Rex Stout

 Contribuições à haute cuisine americana

Rex Stout

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Berin deixou passar. Abriu um sorriso. — Mas você não pretende discutir os restos da mesa conosco, não é?

— Não. O senhor Servan me convidou para falar sobre o que ele definiu como Contributions américaines à la haute cuisine.

— Bah! — Berin resmungou. — Não há nenhuma.

Wolfe ergueu as sobrancelhas. — Nenhuma, senhor?

— Nenhuma. Dizem que se pode encontrar uma boa comida nos lares americanos, mas ainda não a experimentei. Ouvi falar no cozido da Nova Inglaterra, em broa de milho, chowder de mariscos e gravy ao leite. Pratos para as multidões, que não devem ser desprezados quando bem preparados. Mas não são para os mestres. — Ele riu de novo. — Essas coisas estão para a haute cuisine assim como as canções românticas estão para Beethoven e Wagner.

— Diga — Wolfe apontou um dedo para ele —, você já comeu cágado refogado na manteiga, com caldo de galinha e xerez?

— Não.

— E já experimentou um filé grelhado servido na tábua, com cinco centímetros de altura, soltando seu rubro suco na faca, guarnecido com salsa-americana e fatias de lima cortadas na hora, acompanhado de purê de batata que derrete na boca e rodeado de fatias grossas de cogumelos frescos malpassados?

— Não.

— Ou a dobradinha créole de Nova Orléans? Ou o presunto Boone County do Missouri, assado com vinagre, melado, Worcestershire, sidra doce e ervas? Ou galinha Marengo? Ou frango em molho de ovo talhado, com passas, cebolas, amêndoas, xerez e linguiça mexicana? Ou opossum do Tennessee? Ou lagosta Newburgh? Ou sopa de peixe da Filadélfia? Pelo que posso perceber, ainda não. — Wolfe apontou o dedo para ele. — O paraíso da gastronomia é a França, eu sei. Mas seria bom, antes de ir até lá, dar uma volta por aqui. Eu comi dobradinha à moda de Caen no Pharamond, em Paris. É sensacional, mas não supera a dobradinha créole, que, por evitar o excesso de vinho, jamais agride o estômago. Na minha juventude, quando eu me movia com mais facilidade, provei a bouillabaisse em Marselha, seu berço e seu templo, e só servia para encher a pança, lastro para estivadores, comparada com a que se prepara em Nova Orléans! Se a caranha vermelha não estiver disponível...

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Rex Stout (1886-1975)

Cozinheiros Demais

Título original americano

TOO MANY COOKS

1938

Tradução:

CELSO NOGUEIRA

Companhia das Letras

1991

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ORELHAS

      Somente um encontro dos quinze maiores chefs do mundo poderia tirar Nero Wolfe de sua casa em Nova York e levá-lo a tomar um trem para West Virginia. Ou teria o obeso detetive, que detesta tudo o que se move, outro motivo mais palatável para se submeter a essa horrível provação?

      Esse é apenas o mistério inicial deste livro preparado com requinte por Rex Stout para os gourmets do romance policial. Acompanhado pelo fiel Archie Goodwin, que se autodefine como “secretário, guarda-costas, gerente, assistente de detetive e bode expiatório” do sibarita da rua 35, Nero Wolfe leva seu corpanzil para a opípara reunião dos Quinze Maîtres, que ocorre a cada cinco anos chez o chefe mais velho. Ele é nada menos que o convidado de honra, encarregado da espinhosa tarefa de fazer um discurso sobre as Contributions américaines à la haute cuisine para uma plateia de chefes europeus desdenhosos e temperamentais.

      Mas as lautas refeições e os acepipes refinados ganham um ingrediente inesperado: assassinato. E a vítima não era do gosto de vários dos cozinheiros presentes: qual deles teria usado a faca de modo tão indelicado? Wolfe tenta ficar de fora do caso, mas as circunstâncias o obrigam a meter a mão na massa e tentar resolver o crime depressa, a tempo de tomar o trem de volta para Nova York.

      Mulheres fatais, policiais do interior pouco acostumados às extravagâncias de Wolfe, algumas pitadas de ironia e de crítica apimentada ao racismo e um texto absolutamente ao ponto completam o menu desta obra em que Rex Stout põe em ação um dos detetives mais singulares e extraordinários da história do romance policial.

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Rex Stout nasceu em Noblesville, Indiana, em 1886. Teve fama de menino-prodígio em matemática, sendo exibido em feiras populares. Pouco frequentou a universidade e alistou-se na Marinha, onde serviu no iate do presidente Theodore Roosevelt. Trabalhou como escritor free-lance, guia turístico e contador itinerante. Mais tarde, inventou um sistema bancário para escolas que lhe rendeu bom dinheiro. Em 1927, retirou-se para Paris e dedicou-se à literatura. Foi ativo na luta contra o nazismo e, depois, contra as armas nucleares. Morreu em 1975, numa villa suntuosa à beira do Mediterrâneo.



Dobradinha créole de Nova Orléans

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(Postagem original em: http://bit.ly/3Jqnk6T )

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós, 1875 (excerto)


 Amaro achava aquelas unhas admiráveis, porque tudo que era ela ou vinha dela lhe parecia perfeito: gostava da cor dos seus vestidos, do seu andar, do modo de passar os dedos pelos cabelos, e olhava até com ternura para as saias brancas que ela punha a secar à janela do seu quarto, enfiadas numa cana. Nunca estivera assim na intimidade duma mulher. Quando percebia a porta do quarto dela entreaberta, ia resvalar para dentro olhares gulosos, como para perspectivas dum paraíso: um saiote pendurado, uma meia estendida, uma liga que ficara sobre o baú, eram como revelações da sua nudez, que lhe faziam cerrar os dentes, todo pálido. E não se saciava de a ver falar, rir, andar com as saias muito engomadas que batiam as ombreiras das portas estreitas. Ao pé dela, muito fraco, muito langoroso, não lhe lembrava que era padre; o Sacerdócio, Deus, a Sé, o Pecado ficavam embaixo, longe, via-os muito esbatidos do alto do seu enlevo, como de um monte se veem as casas desaparecer no nevoeiro dos vales; e só pensava então na doçura infinita de lhe dar um beijo na brancura do pescoço, ou mordicar-lhe a orelhinha.

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O Crime do Padre Amaro
Eça de Queirós
1875

Espaguete no romance 'O Grifo de Abdera' de Lourenço Mutarelli (2015)

 Receita de espaguete

Lourenço Mutarelli
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Oliver pega no armário da cozinha um bom chileno.

Serve primeiro Gilda e propõe um brinde.

Ao recomeço.

Gilda não olha em seus olhos quando as taças se encontram.

Sim, ele comprou taças. Mas não para brindar com Gilda. Comprou para a noite que imaginou com Marina. E Oliver contou sobre os dias que viveu longe da amiga. Alterando um pouco a ótica. Tentando convencê-la de que sentira sua falta. Depois de encher as taças pela segunda vez, anunciou que prepararia o jantar.

Gilda o acompanhou à cozinha. Insistiu em ajudar. Oliver não permitiu. Disse que seria um prazer cuidar de tudo. Gilda o observava encostada ao batente da porta. Por sorte ainda tinha tomate-cereja. E Oliver montou uma salada. Temperou com azeite, sal negro e orégano. Umedeceu as pontas dos dedos e aspergiu os tomates. Depois guardou na geladeira para que o sabor ficasse mais agradável. Encheu de água uma panela grande e pôs pra ferver.

Vamos encher nossas taças enquanto esperamos a água ferver.

Repôs o vinho e disse a Gilda que estava muito feliz por ela estar ali.

Para quebrar o silêncio, contou o sonho. Disse que, enquanto passava o cortejo, ele se aproximou do morto e retirou a moeda destinada a Caronte, o filho da noite. E guardou-a em sua túnica. Disse que, ao acordar, se sentiu mal com isso. Porque dessa forma obrigou o morto a vagar por cem anos às margens do Estige ou do Aqueronte.

Terminou a primeira garrafa ao completar os copos novamente. Então abriu outra.

Picou uma cebola e três dentes de alho. Chorou ao cortar a cebola. Botou a panela no fogo. Derramou azeite extravirgem. Refogou. Quando as cebolas douraram, retirou a carne da bandeja de isopor e jogou sobre o tempero. Acrescentou sal marinho.

Quando a água começou a ferver, ele a salgou e acrescentou o espaguete. Acendeu outra boca, onde pôs outra panela. Uma colher de manteiga e um toque de azeite. Depois, o molho pronto. Completou com água a mesma embalagem e adicionou o conteúdo à panela.

Gilda observava cada detalhe. Oliver pegou uma toalha xadrez e jogou sobre a mesa da sala. Gilda fez questão de terminar de pôr a mesa. Ele mostrou onde estavam os talheres e os pratos. Sobre a toalha ele centralizou as flores que Gilda levara.

Quando a carne estava no ponto, jogou-a no molho. Escorreu o macarrão. Adicionou uma colher de manteiga. Pegou os tomates na geladeira, queijo ralado, e foram pra sala.

Gilda elogiou a massa.

Era difícil desenvolver uma conversa, mas Oliver insistia. Procurava criar assuntos. Falou sobre nossa parceria. O simples fato de evocar o meu nome despertou aquele olhar furioso de Gilda. Então, rapidamente, Oliver desviou o assunto. Falou das dificuldades econômicas dos escritores. Dos míseros dez por cento. Como isso ainda me evocava e dessa forma a ligação de Oliver e Marina, ele resolveu servir nectarinas de sobremesa.

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O Grifo De Abdera
2015

(Google imagens)
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Postagem compartilhada com o Blog 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Trecho do Don Quixote sobre comida

Qualquer coisa seria um manjar
 Miguel de Cervantes
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As moças, que não tinham sido feitas para ouvir semelhantes retóricas, não diziam uma palavra; só perguntaram se ele queria comer alguma coisa.

— Qualquer coisa seria um manjar — respondeu dom Quixote —, porque, pelo visto, qualquer uma me calharia bem.

Casualmente aquele dia era uma sexta-feira e em toda a estalagem só havia um pouco de um peixe que em Castela chamam badejo, bacalhau na Andaluzia e peixe seco, ou truchuela, em outros lugares. Perguntaram ao cavaleiro se por acaso sua mercê comeria truchuela, já que não havia outro peixe para lhe oferecer.

— Se houver muitas trutinhas — respondeu dom Quixote —, poderão valer uma truta, porque para mim tanto faz se me dão oito reais inteiros ou trocados. Sem falar que pode ser que essas trutinhas sejam como a vitela, que é melhor que a vaca, ou o cabrito, que é melhor que o bode. Mas, seja lá o que for, venha logo, porque não se pode levar o trabalho e o peso das armas sem o governo das tripas.

Puseram-lhe a mesa à porta da estalagem, por ser mais fresco, e o hospedeiro trouxe uma porção do bacalhau que mal tinha ficado de molho e fora mais mal cozido ainda, e um pão tão negro e imundo como sua armadura. Agora, era coisa muito engraçada vê-lo comer, porque, como tinha o elmo posto e a viseira erguida com as mãos, não podia pôr nada na boca se outro não o fizesse, o que levou uma daquelas senhoras a fazer esse trabalho. Mas dar de beber a ele não foi possível, nem o seria, se o estalajadeiro não houvesse furado uma taquara e posto uma ponta em sua boca, derramando vinho pela outra. Dom Quixote aceitava tudo com paciência, em troca de não arrebentar as fitas do elmo. Então chegou um castrador de porcos que, mal entrou, soprou sua flauta de taquaras quatro ou cinco vezes, o que acabou de confirmar a dom Quixote que estava em algum famoso castelo e que lhe serviam com música, que o peixe seco eram trutas, o pão do melhor, as meretrizes damas, o estalajadeiro castelão — e assim dava por bem empregada sua decisão e saída. Mas o que mais o incomodava era não se ver armado cavaleiro, por lhe parecer que não poderia legitimamente se lançar na aventura sem receber a ordem de cavalaria.

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Don Quixote
1605

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sábado, 22 de outubro de 2022

A crítica de Poesia - Evando Nascimento

A análise fria destrói a poesia
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Copio, colo, assino embaixo e ainda suplemento o que Goethe disse a propósito do Fausto, obra de toda uma vida, já respondendo a críticas de seus contemporâneos e antecipando as dos pósteros: Na poesia não há contradições. Estas existem apenas no mundo real, não no mundo da poesia. Aquilo que o poeta cria tem de ser aceito tal como ele o criou. O seu mundo é exatamente como foi feito. Aquilo que o espírito poético gerou precisa ser acolhido pela sensibilidade poética. A análise fria destrói a poesia e não produz nenhuma realidade. Restam apenas destroços, que não servem para nada e apenas estorvam. Um artista deveria ser sempre medido por sua própria verossimilhança, com que atinge camadas insuspeitas do real. Nada pior do que o realismo pobre. Pobre não porque trate de pobreza, pois Graciliano, o neorrealismo italiano e Glauber, por exemplo, produziram obras esplêndidas com conteúdo escasso; mas porque justamente não consegue desenvolver a forma para reinventar a mísera realidade. Nada mais inócuo do que o realismo chão, sem voo experimental. À escassez da realidade deveria sempre corresponder a raridade de uma linguagem que indaga ferozmente as coisas do mundo, como bem assinalou um crítico escritor. Difícil saber se a pior censura é a estética, que exige o aprisionamento às normas do banal verossímil — ou a de conteúdo, que obriga sempre aos mesmos temas.
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Cantos Profanos
Evando Nascimento
2014

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Sobre os poetas e seus moinhos de imagens – Mario Quintana

Mau humor

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Os poetas, com os seus moinhos de imagens, rodando e rodando e rodando na manivela dos ritmos, mais parecem uns micos de realejo... Tão engraçadinhos!

Mas essa musiquinha não resolve...

E vejo que, em torno, na praça do mercado, é cada vez mais rara a costumeira aglomeração de basbaques e ociosos...

E eu, se não fora o compromisso da hora H, não escrevia nada hoje. Nem teria escrito nunca. Pelo simples motivo de que, tudo quanto me venha acaso à cabeça, já no mesmo instante, e por isso mesmo, deixa de ser novidade para mim.

De modo que me aborreço muito antes do leitor...

Não sei o que fazer desta minha máquina de pensar, seu moço. Sua falta de surpresa desinteressa-me.

E não há a mínima esperança.

Pois até seus desarranjos redundam tão somente em novas combinações dos mesmíssimos elementos, como um caleidoscópio que fosse rolando escada abaixo. E ainda que eu jogasse para as alturas, iria dar no mesmo.

Em vista disso, alguns me aconselham a escrita automática, que é afinal de contas o que os surrealistas consideram poesia pura.

Mas isto me lembra, e muito, o baixo espiritismo, de tão pífios resultados...

E em última análise, não é mais ou menos o que se tem feito em todas as épocas, com o clássico automatismo do metro e da rima?

Ah! os poetas com os seus moinhos de imagens mais parecem etc. etc.

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Porta Giratória
Mario Quintana
2014



segunda-feira, 12 de setembro de 2022

UM DEDO DE PROSA nas escolas - Colégio Estadual José de Anchieta

Atrito Arte em Movimento

apresenta

UM DEDO DE PROSA nas escolas

Dia 12 de setembro/22

no Colégio Estadual José de Anchieta

Com Herman Augusto Schmitz, Jackie Rodrigues e Marco Fabiani

Patrocínio: PROMIC

Projeto 19 047

O projeto promove doação de livros e encontros entre escritores e estudantes, desde 2009, ano em que era realizado juntamente com o Sarau: prosa, poesia e outras delícias, na Vila Cultural Cemitério de Automóveis. De lá para cá já percorremos escolas já percorremos cidades e tem sido muito especial, a cada edição.

A distribuição gratuita de livros e a presença dos autores na escola visam contribuir com a ampliação das práticas de leitura do jovem e adolescente, além de somar esforços para a divulgação e distribuição da produção literária local, ampliando o universo de leitores e futuros consumidores deste produto, melhorando desta forma as condições econômicas de toda cadeia produtiva do livro.


Link para o meu ebook BJ Grafados

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Grafados está de aniversário: 10 Anos

Para comemorar essa data, estou lançando o Livro BJ Grafados, com as postagens mais representativas e bastante outras coletadas especialmente para esse volume, organizadas de forma temática, como em uma discotecagem, ou dizendo melhor, uma Bibliotecagem.

O lançamento oficial será no dia 12 de Junho

Herman Augusto Schmitz apresenta o Book Jockey Grafados

O BJ Grafados é um conceito em apreciação literária, que apresenta pequenos trechos literários universais, encadeados como em uma discotecagem musical, onde os blocos possuem uma cadência temática e um certo ritmo batido nas pequenas frases introdutórias que antecedem cada verbete.

Esse projeto teve início aqui, com o Blog Grafados, em junho de 2012, e ao longo desses 10 anos, foi se construindo por diversas etapas e estilos, mas sempre focado na construção de sentidos com relevância atual, através de trechos retirados cirurgicamente de obras clássicas e contemporâneas.

Esse é um processo típico do bibliotecário da Biblioteca de Babel, que pacientemente coletou o que lhe agradou e também o que agradou a outros (que eu não conhecia), e montou um menu de autores bastante díspares, e também afins, mas de um gosto marcadamente pessoal.

Não se trata de uma coletânea e nem de uma antologia, pois não são obras completas, somente recortes de um tecido por onde se costurou trechos de Joyce, Faulkner, Cortázar, Dalton Trevisan, Murilo Mendes, Agatha Christie, Borges, Galeano, Virginia Wolf, Eliot, Baudelaire, Poe, Hemingway e tantos outros, para formar uma criatura livro, criada com palavras que expressam importantes conceitos para os novos tempos.

Eu sinceramente espero que o leitor se divirta lendo, pois o objetivo final dessa bibliotecagem é acrescentar algo ao "grande manual de apreciação da vida" que estamos todos construindo.

Ver on line:

BJ Grafados - Demo no Issuu

BJ Grafados 'story' no Issuu (para celular - mais resumida ainda)



Baixe a versão demo em ePUB!!!

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Como a Ficção Científica Pode Ajudar no Ensino das Ciências da Natureza - Palestra


 

Café com Quê?: Como a Ficção Científica pode Colaborar no Ensino de Ciências, com Herman Schmitz

L

28/04/2022 | 19h30 às 21h

Sesc Londrina Cadeião

GRATUITO

O projeto Café com Quê? 2022 convida para o bate-papo com o escritor e pesquisador Herman Schmitz.

Veremos uma reflexão da importante atividade pedagógica para professores e educadores sobre a utilização da literatura de ficção científica para se trabalhar teorias ou leis fundamentais da ciência. O autor fará uma explanação situando a literatura de Ficção científica como gênero literário, apresentará as principais obras e abordará temas significativos para os tempos atuais, especialmente acerca do entendimento da ciência pela sociedade neste momento pandêmico em que parecemos personagens dessa literatura. Apresentará também sugestões de obras para serem utilizadas em projetos interdisciplinares.

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Herman Schmitz é Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Londrina tendo defendido dissertação com o tema do pós-humanismo: Sonha a Ficção científica com um futuro pós-humano? Desde que se fixou em Londrina-PR, em 1996, tem participado ativamente no cenário artístico da cidade, trabalhando como produtor cultural, como editor e design gráfico, produções literárias e musicais. Publicou o livro Os Maracujás, de poesia, e a coletânea Terrassol, de contos de Ficção científica. Em 2016, tomou parte ativamente no projeto Um Dedo de Prosa nas Escolas – Circuito de Escritores, aprovado pela Biblioteca Nacional. O tema da ficção científica – precursora da temática do pós-humanismo – é núcleo temático da sua Dissertação e a primeira versão desse projeto foi realizado nas escolas estaduais de Ensino Médio, por meio do projeto Um Dedo de Prosa nas Escolas, onde se apresentou a professores e alunos uma rápida explanação sobre o gênero e leitura de trechos de obras afins. Durante a pandemia, teve tempo para aperfeiçoar a ideia, transformando a proposta em sugestões metodológicas para um projeto didático interdisciplinar.

Serviço:

28/04/2022 | 19h30 às 21h
Rua Sergipe, 52
(43) 3572-7700

sábado, 9 de outubro de 2021

O Clone de Si Mesmo e outros contos breves — Herman Augusto Schmitz #Contos #Ficção científica

 https://www.amazon.com.br/dp/B09HWCG4PP

Conheça o meu novo livro de contos curtos de Ficção científica, disponível na Amazon.

Alterações climáticas, Clonagem, Invasões alienígenas, Máquinas insólitas e Realidade artificial

São esses os principais ingredientes dessa antologia de ficção científica satírica e debochada, que através de pequenas histórias, quase fábulas, apresenta os grandes temas do gênero sob uma escala legitimamente brasileira, onde a cor local ilumina e acentua os contrastes sociais e ideológicos..
"Neste livro o gênero ficção científica nunca é gratuito: tem razão de ser, tem um propósito, está na estrutura que vai construindo os significados e as várias possibilidades de interpretação. Não apela para o exótico, o “espetaculoso” só para chamar atenção. Ao contrário, utiliza os elementos fantasiosos na justa medida para alcançar aquilo que pretende dizer. Sem dúvida este é mais um dos méritos das histórias que compõem este volume. Herman Augusto Schmitz é um expoente da boa ficção científica feita hoje em dia no Brasil. Recomendo." Cleber Pacheco – Escritor e crítico literário.


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Manifesto da Poesia Zoom (Leitura e imagem)


Esta é uma leitura do poema Manifesto da Poesia Zoom, em parceria com Augusto Silva na letra e com Oscar Holguin na imagem. (O Violão também é do autor).

domingo, 8 de março de 2020

Jane Austen sem as partes chatas #Resenha

JANE AUSTEN (1775–1817)


A prosa de Jane Austen tem o decoro ideal do século XVIII. É convencional demais para o lirismo, mas eleva a inteligência a ponto de transformá-la em beleza. A prosa perfeita que Gibbon usou para o declínio e queda do Império Romano é usada por Austen para o declínio e queda da vaidade de uma garota provinciana. Seu humor nos passa a impressão de ser um subproduto de sua limpidez – as piadas são tão bem integradas no padrão perfeito que só reparamos que Austen as fez depois que já estamos rindo. Ela faz o uso mais elegante possível do humor inexpressivo.

O principal a se saber sobre os romances de Jane Austen é que eles são literatura escapista. Você não precisa ser esperto para gostar de Jane Austen, nem ser muito atento, nem se preparar para fazer um exercício mental. Tudo de que você precisa são olhos. Se você deixar o livro no chão, quando voltar para casa o gato estará lendo. O público entendeu isso há muito tempo, e a moderna “indústria Austen” está espalhando uma pilha de livros, biografias, filmes e séries spin-off. Sendo assim, você deve estar pensando que não é possível ter sobrado alguém que ainda não tenha sido apresentado às obras dela. Mas uma grande parcela da população ficou completamente de fora: os homens.

A combinação de seu gosto pelas boas maneiras, sua obsessão pelo casamento, pelo sexo de suas protagonistas e pelo seu próprio sexo fez com que muitas gerações de homens heterossexuais sentissem que ler Jane Austen seria equivalente a vestir roupas de mulher em casa. Não queremos forçar a barra, mas os leitores homens deveriam reconsiderar essa ideia. Em Jane Austen, não encontramos muitos dos elementos que fazem com que as comédias românticas sejam insuportáveis para os homens. Mesmo sendo histórias de amor, Austen tende a pular a parte das confissões de amor e também a dos casamentos, dos sentimentos e dos beijos. Ela usa o enredo de casamento como um simples suporte para um milhão de comentários sarcásticos. Na verdade, os livros são mais como situações de comédia da vida diária, ambientadas no século XVIII, em que a situação exige que se “consiga casar as filhas”.

Orgulho e Preconceito é o livro mais engraçado. Tem também a melhor história de amor e o menor falatório. Os personagens principais, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, são um exemplo clássico do casal que expressa sua tensão sexual através de brigas. O pai da heroína, que vive para ridicularizar as pessoas, é exatamente o que um romance de Austen precisa para passar do engraçado ao hilário.

Emma talvez seja um romance mais compacto, mas com premissas falhas e sem nenhum personagem que vive para ridicularizar aos outros. As premissas: Emma está sempre tentando casar todas as garotas que conhece, mas nunca pensa em homens para si mesma, até que repentinamente se dá conta de que está apaixonada. Sua paixão secreta se dirige a um amigo da família com o dobro de sua idade, a quem ela vê quase todos os dias desde que era criança. Austen se safa dessa – por pouco – por nunca nos fazer pensar na imagem do noivo brincando de cavalinho com a bebê Emma sentada em seus joelhos. Além disso, em alguns momentos Emma dá sinais de que está se transformando em um personagem que vive para ridicularizar os outros.

O resto dos romances serve, principalmente, para você se consolar por ter terminado Orgulho e Preconceito. Ou são muito batidos ou não têm conteúdo. A escrita é igualmente bela, mas a ausência de um personagem que vive para ridicularizar as pessoas parece um desperdício. Aqui está a melhor ordem para lê-los depois que você tiver terminado de ler Orgulho e Preconceito pela primeira, segunda e terceira vez: Emma, Persuasão, Razão e Sensibilidade, Mansfield Park, A Abadia de Northanger.

Para terminar: existe um debate para saber se Jane Austen é superestimada (e se, na verdade, suas obras são só livrinhos para mocinhas) ou subestimada (e se ela é uma grande autora menosprezada por causa de seus temas femininos). A minha opinião? Todos os livrinhos para mocinhas são subestimados e todos os grandes autores são superestimados. O tomate é um fruto ou um legume? Moral da história: nada que é bom pode ser ruim.

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Sandra Newman. História da literatura ocidental sem as partes chatas

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A Classificação das Galáxias #Poema

Ilustração: Oscar Holguin

A CLASSIFICAÇÃO DAS GALÁXIAS


Porque não chamamos as galáxias de sistemas estelares, que é exatamente o que são?
— Isaac Asimov


No céu
nem tudo o que brilha são estrelas
galáxias são coleções de estrelas
e as próprias galáxias 
também formam grandes coleções
conhecidas como aglomerados

E esses formam outra entidade:
os grandes superaglomerados
com suas estruturas de galáxias em forma de teia
de dezenas de milhões
até centenas de milhões de anos-luz 

Abell 2218, Zwicky 3146, Andrômeda
as anãs de Baleia, Pégaso, Fornalha e Fênix

Em cada centro, uma incandescência interstelar
ou mais possivelmente um buraco negro

Por sua rotação e seus movimentos lentos
estendem-se com braços em imensos cata-vazios

Galáxias são corpos de estupendos encaixes
todos obedecendo a lei imutável da gravidade
que faz delas belas espirais ou densas elípticas
formadas por poeira microscópica
em pedaços irregulares esfarelados no espaço
rodopiando com luminosidade

Saber desses ninhos cósmicos
em suas distâncias inimagináveis
nos faz pensar em outros mundos

Tão reais e emergentes como este nosso
onde também haverá certamente um poeta
que também passa as noites
contemplando galáxias no céu da sua mente

Herman Augusto Schmitz

domingo, 20 de outubro de 2019

Os Infos - #Poema

Ilustração: Oscar Holguin

OS INFOS

Se no fundo do corpo material
somente encontramos faíscas elétricas
reagindo entre ácidos e bases
é no corpo imaterial que devemos procurar
a origem das nossas informações

Pode ser que neste lugar
onde vivem os pensamentos
onde está o que se chama inteligência
possamos encontrar o infinitivo abstrato
o produto final
das redundâncias da comunicação humana

Neste lugar
um dado qualquer se une a uma outra ideia
e a união desses dois infos forma uma outra coisa
também medida em infos

Neste lugar
a imaginação pode ser resumida
a infos com sentido encontrados ao acaso
num universo de possibilidades randômicas

Neste lugar
os infos transitam sem tempo nem espaço
declinados de hora ou lugar
e sem outros valores como
de peso, por quilo ou por metro

Neste lugar
não há info disso ou info daquilo
é info mesmo

Mas esses infos todos
quando se transportam em gente
podem sumir de repente

Londrina, Herman Augusto Schmitz, 2017

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Nada Também Consta. Poema de Herman Schmitz. Ilust. Oscar Holguin

Ilustração: Oscar Holguin

O NADA TAMBÉM CONSTA
Herman Schmitz

Um homem perde um lápis dentro de casa
Procura em gavetas, em cima das mesas
Vazia os bolsos no cesto de roupas sujas
Procura e procura e não acha

Porque razão há de se preocupar
Afinal é só um lápis, e ainda bem usado
Nada mais fácil em substituir por um novo

Mas se por acaso perdeste tudo na vida
As tuas coisas, o teu rumo, o teu conhecimento
Perdeste até mesmo o teu reflexo na janela

E hoje tem que viver com essa falta, essa ausência
Com o nada absoluto do vazio total dentro de si

Então...

Dê alguns passos para trás e contemple:
Fraquinho e demasiado pequeno para andar
A criatura rasteja nesse espaço pequeno
Desprende um odor adocicado de canela
E tem um tubo de carvão por dentro

O velho lápis escondeu-se depois que
um risco seu marcou uma folha branca
O escritor não me achará, — pensa aflito,
escorregando porta afora,
se preservando
do escrito!

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A Folha em Branco. Herman Schmitz #Poema #Escritor

A FOLHA EM BRANCO 

Ilustração Oscar Holguin

Eis a folha em branco!

A folha lívida que te desafia
Um véu sedoso a encobrir o não dito
Uma ausência do além se estendendo
sobre epigramas que ainda nem existem

Folha!
Folha em branco!
sedenta de tinta
  de tipos
de letras e expressões
de formas e abstrações

Cada palavra é uma opção
Um risco de liberdade
Predisposto a se revelar mesmo no sentido
mais oculto ou inusitado

Eis a folha em branco!

Assim as letras caem sobre o papel
no abismo gráfico
no redemoinho
no vórtice feroz das composições
das encadernações, dos teletipos


Mas o branco absoluto
Por sua natureza imparcial
Suporta tudo
todas as ideologias
todas as ondas
todas as nuances
todas as filosofias
E todas as tintas insofismáveis

E nessa geografia branca e negra
O pior medo
A mais terrível blasfêmia
O signo cabalístico da infâmia TOTAL

— Soletra-se:
         A-NAL-FA-BE-TO