quarta-feira, 1 de junho de 2022

Grafados está de aniversário: 10 Anos

Para comemorar essa data, estou lançando o Livro BJ Grafados, com as postagens mais representativas e bastante outras coletadas especialmente para esse volume, organizadas de forma temática, como em uma discotecagem, ou dizendo melhor, uma Bibliotecagem.

O lançamento oficial será no dia 12 de Junho

Herman Augusto Schmitz apresenta o Book Jockey Grafados

O BJ Grafados é um conceito em apreciação literária, que apresenta pequenos trechos literários universais, encadeados como em uma discotecagem musical, onde os blocos possuem uma cadência temática e um certo ritmo batido nas pequenas frases introdutórias que antecedem cada verbete.

Esse projeto teve início aqui, com o Blog Grafados, em junho de 2012, e ao longo desses 10 anos, foi se construindo por diversas etapas e estilos, mas sempre focado na construção de sentidos com relevância atual, através de trechos retirados cirurgicamente de obras clássicas e contemporâneas.

Esse é um processo típico do bibliotecário da Biblioteca de Babel, que pacientemente coletou o que lhe agradou e também o que agradou a outros (que eu não conhecia), e montou um menu de autores bastante díspares, e também afins, mas de um gosto marcadamente pessoal.

Não se trata de uma coletânea e nem de uma antologia, pois não são obras completas, somente recortes de um tecido por onde se costurou trechos de Joyce, Faulkner, Cortázar, Dalton Trevisan, Murilo Mendes, Agatha Christie, Borges, Galeano, Virginia Wolf, Eliot, Baudelaire, Poe, Hemingway e tantos outros, para formar uma criatura livro, criada com palavras que expressam importantes conceitos para os novos tempos.

Eu sinceramente espero que o leitor se divirta lendo, pois o objetivo final dessa bibliotecagem é acrescentar algo ao "grande manual de apreciação da vida" que estamos todos construindo.

Ver on line:

BJ Grafados - Demo no Issuu

BJ Grafados 'story' no Issuu (para celular - mais resumida ainda)



Baixe a versão demo em ePUB!!!

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Como a Ficção Científica Pode Ajudar no Ensino das Ciências da Natureza - Palestra


 

Café com Quê?: Como a Ficção Científica pode Colaborar no Ensino de Ciências, com Herman Schmitz

L

28/04/2022 | 19h30 às 21h

Sesc Londrina Cadeião

GRATUITO

O projeto Café com Quê? 2022 convida para o bate-papo com o escritor e pesquisador Herman Schmitz.

Veremos uma reflexão da importante atividade pedagógica para professores e educadores sobre a utilização da literatura de ficção científica para se trabalhar teorias ou leis fundamentais da ciência. O autor fará uma explanação situando a literatura de Ficção científica como gênero literário, apresentará as principais obras e abordará temas significativos para os tempos atuais, especialmente acerca do entendimento da ciência pela sociedade neste momento pandêmico em que parecemos personagens dessa literatura. Apresentará também sugestões de obras para serem utilizadas em projetos interdisciplinares.

_________

Herman Schmitz é Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Londrina tendo defendido dissertação com o tema do pós-humanismo: Sonha a Ficção científica com um futuro pós-humano? Desde que se fixou em Londrina-PR, em 1996, tem participado ativamente no cenário artístico da cidade, trabalhando como produtor cultural, como editor e design gráfico, produções literárias e musicais. Publicou o livro Os Maracujás, de poesia, e a coletânea Terrassol, de contos de Ficção científica. Em 2016, tomou parte ativamente no projeto Um Dedo de Prosa nas Escolas – Circuito de Escritores, aprovado pela Biblioteca Nacional. O tema da ficção científica – precursora da temática do pós-humanismo – é núcleo temático da sua Dissertação e a primeira versão desse projeto foi realizado nas escolas estaduais de Ensino Médio, por meio do projeto Um Dedo de Prosa nas Escolas, onde se apresentou a professores e alunos uma rápida explanação sobre o gênero e leitura de trechos de obras afins. Durante a pandemia, teve tempo para aperfeiçoar a ideia, transformando a proposta em sugestões metodológicas para um projeto didático interdisciplinar.

Serviço:

28/04/2022 | 19h30 às 21h
Rua Sergipe, 52
(43) 3572-7700

sábado, 9 de outubro de 2021

O Clone de Si Mesmo e outros contos breves — Herman Augusto Schmitz #Contos #Ficção científica

 https://www.amazon.com.br/dp/B09HWCG4PP

Conheça o meu novo livro de contos curtos de Ficção científica, disponível na Amazon.

Alterações climáticas, Clonagem, Invasões alienígenas, Máquinas insólitas e Realidade artificial

São esses os principais ingredientes dessa antologia de ficção científica satírica e debochada, que através de pequenas histórias, quase fábulas, apresenta os grandes temas do gênero sob uma escala legitimamente brasileira, onde a cor local ilumina e acentua os contrastes sociais e ideológicos..
"Neste livro o gênero ficção científica nunca é gratuito: tem razão de ser, tem um propósito, está na estrutura que vai construindo os significados e as várias possibilidades de interpretação. Não apela para o exótico, o “espetaculoso” só para chamar atenção. Ao contrário, utiliza os elementos fantasiosos na justa medida para alcançar aquilo que pretende dizer. Sem dúvida este é mais um dos méritos das histórias que compõem este volume. Herman Augusto Schmitz é um expoente da boa ficção científica feita hoje em dia no Brasil. Recomendo." Cleber Pacheco – Escritor e crítico literário.


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Manifesto da Poesia Zoom (Leitura e imagem)


Esta é uma leitura do poema Manifesto da Poesia Zoom, em parceria com Augusto Silva na letra e com Oscar Holguin na imagem. (O Violão também é do autor).

domingo, 8 de março de 2020

Jane Austen sem as partes chatas #Resenha

JANE AUSTEN (1775–1817)


A prosa de Jane Austen tem o decoro ideal do século XVIII. É convencional demais para o lirismo, mas eleva a inteligência a ponto de transformá-la em beleza. A prosa perfeita que Gibbon usou para o declínio e queda do Império Romano é usada por Austen para o declínio e queda da vaidade de uma garota provinciana. Seu humor nos passa a impressão de ser um subproduto de sua limpidez – as piadas são tão bem integradas no padrão perfeito que só reparamos que Austen as fez depois que já estamos rindo. Ela faz o uso mais elegante possível do humor inexpressivo.

O principal a se saber sobre os romances de Jane Austen é que eles são literatura escapista. Você não precisa ser esperto para gostar de Jane Austen, nem ser muito atento, nem se preparar para fazer um exercício mental. Tudo de que você precisa são olhos. Se você deixar o livro no chão, quando voltar para casa o gato estará lendo. O público entendeu isso há muito tempo, e a moderna “indústria Austen” está espalhando uma pilha de livros, biografias, filmes e séries spin-off. Sendo assim, você deve estar pensando que não é possível ter sobrado alguém que ainda não tenha sido apresentado às obras dela. Mas uma grande parcela da população ficou completamente de fora: os homens.

A combinação de seu gosto pelas boas maneiras, sua obsessão pelo casamento, pelo sexo de suas protagonistas e pelo seu próprio sexo fez com que muitas gerações de homens heterossexuais sentissem que ler Jane Austen seria equivalente a vestir roupas de mulher em casa. Não queremos forçar a barra, mas os leitores homens deveriam reconsiderar essa ideia. Em Jane Austen, não encontramos muitos dos elementos que fazem com que as comédias românticas sejam insuportáveis para os homens. Mesmo sendo histórias de amor, Austen tende a pular a parte das confissões de amor e também a dos casamentos, dos sentimentos e dos beijos. Ela usa o enredo de casamento como um simples suporte para um milhão de comentários sarcásticos. Na verdade, os livros são mais como situações de comédia da vida diária, ambientadas no século XVIII, em que a situação exige que se “consiga casar as filhas”.

Orgulho e Preconceito é o livro mais engraçado. Tem também a melhor história de amor e o menor falatório. Os personagens principais, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, são um exemplo clássico do casal que expressa sua tensão sexual através de brigas. O pai da heroína, que vive para ridicularizar as pessoas, é exatamente o que um romance de Austen precisa para passar do engraçado ao hilário.

Emma talvez seja um romance mais compacto, mas com premissas falhas e sem nenhum personagem que vive para ridicularizar aos outros. As premissas: Emma está sempre tentando casar todas as garotas que conhece, mas nunca pensa em homens para si mesma, até que repentinamente se dá conta de que está apaixonada. Sua paixão secreta se dirige a um amigo da família com o dobro de sua idade, a quem ela vê quase todos os dias desde que era criança. Austen se safa dessa – por pouco – por nunca nos fazer pensar na imagem do noivo brincando de cavalinho com a bebê Emma sentada em seus joelhos. Além disso, em alguns momentos Emma dá sinais de que está se transformando em um personagem que vive para ridicularizar os outros.

O resto dos romances serve, principalmente, para você se consolar por ter terminado Orgulho e Preconceito. Ou são muito batidos ou não têm conteúdo. A escrita é igualmente bela, mas a ausência de um personagem que vive para ridicularizar as pessoas parece um desperdício. Aqui está a melhor ordem para lê-los depois que você tiver terminado de ler Orgulho e Preconceito pela primeira, segunda e terceira vez: Emma, Persuasão, Razão e Sensibilidade, Mansfield Park, A Abadia de Northanger.

Para terminar: existe um debate para saber se Jane Austen é superestimada (e se, na verdade, suas obras são só livrinhos para mocinhas) ou subestimada (e se ela é uma grande autora menosprezada por causa de seus temas femininos). A minha opinião? Todos os livrinhos para mocinhas são subestimados e todos os grandes autores são superestimados. O tomate é um fruto ou um legume? Moral da história: nada que é bom pode ser ruim.

***

Sandra Newman. História da literatura ocidental sem as partes chatas

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A Classificação das Galáxias #Poema

Ilustração: Oscar Holguin

A CLASSIFICAÇÃO DAS GALÁXIAS


Porque não chamamos as galáxias de sistemas estelares, que é exatamente o que são?
— Isaac Asimov


No céu
nem tudo o que brilha são estrelas
galáxias são coleções de estrelas
e as próprias galáxias 
também formam grandes coleções
conhecidas como aglomerados

E esses formam outra entidade:
os grandes superaglomerados
com suas estruturas de galáxias em forma de teia
de dezenas de milhões
até centenas de milhões de anos-luz 

Abell 2218, Zwicky 3146, Andrômeda
as anãs de Baleia, Pégaso, Fornalha e Fênix

Em cada centro, uma incandescência interstelar
ou mais possivelmente um buraco negro

Por sua rotação e seus movimentos lentos
estendem-se com braços em imensos cata-vazios

Galáxias são corpos de estupendos encaixes
todos obedecendo a lei imutável da gravidade
que faz delas belas espirais ou densas elípticas
formadas por poeira microscópica
em pedaços irregulares esfarelados no espaço
rodopiando com luminosidade

Saber desses ninhos cósmicos
em suas distâncias inimagináveis
nos faz pensar em outros mundos

Tão reais e emergentes como este nosso
onde também haverá certamente um poeta
que também passa as noites
contemplando galáxias no céu da sua mente

Herman Augusto Schmitz

domingo, 20 de outubro de 2019

Os Infos - #Poema

Ilustração: Oscar Holguin

OS INFOS

Se no fundo do corpo material
somente encontramos faíscas elétricas
reagindo entre ácidos e bases
é no corpo imaterial que devemos procurar
a origem das nossas informações

Pode ser que neste lugar
onde vivem os pensamentos
onde está o que se chama inteligência
possamos encontrar o infinitivo abstrato
o produto final
das redundâncias da comunicação humana

Neste lugar
um dado qualquer se une a uma outra ideia
e a união desses dois infos forma uma outra coisa
também medida em infos

Neste lugar
a imaginação pode ser resumida
a infos com sentido encontrados ao acaso
num universo de possibilidades randômicas

Neste lugar
os infos transitam sem tempo nem espaço
declinados de hora ou lugar
e sem outros valores como
de peso, por quilo ou por metro

Neste lugar
não há info disso ou info daquilo
é info mesmo

Mas esses infos todos
quando se transportam em gente
podem sumir de repente

Londrina, Herman Augusto Schmitz, 2017

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Nada Também Consta. Poema de Herman Schmitz. Ilust. Oscar Holguin

Ilustração: Oscar Holguin

O NADA TAMBÉM CONSTA
Herman Schmitz

Um homem perde um lápis dentro de casa
Procura em gavetas, em cima das mesas
Vazia os bolsos no cesto de roupas sujas
Procura e procura e não acha

Porque razão há de se preocupar
Afinal é só um lápis, e ainda bem usado
Nada mais fácil em substituir por um novo

Mas se por acaso perdeste tudo na vida
As tuas coisas, o teu rumo, o teu conhecimento
Perdeste até mesmo o teu reflexo na janela

E hoje tem que viver com essa falta, essa ausência
Com o nada absoluto do vazio total dentro de si

Então...

Dê alguns passos para trás e contemple:
Fraquinho e demasiado pequeno para andar
A criatura rasteja nesse espaço pequeno
Desprende um odor adocicado de canela
E tem um tubo de carvão por dentro

O velho lápis escondeu-se depois que
um risco seu marcou uma folha branca
O escritor não me achará, — pensa aflito,
escorregando porta afora,
se preservando
do escrito!

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A Folha em Branco. Herman Schmitz #Poema #Escritor

A FOLHA EM BRANCO 

Ilustração Oscar Holguin

Eis a folha em branco!

A folha lívida que te desafia
Um véu sedoso a encobrir o não dito
Uma ausência do além se estendendo
sobre epigramas que ainda nem existem

Folha!
Folha em branco!
sedenta de tinta
  de tipos
de letras e expressões
de formas e abstrações

Cada palavra é uma opção
Um risco de liberdade
Predisposto a se revelar mesmo no sentido
mais oculto ou inusitado

Eis a folha em branco!

Assim as letras caem sobre o papel
no abismo gráfico
no redemoinho
no vórtice feroz das composições
das encadernações, dos teletipos


Mas o branco absoluto
Por sua natureza imparcial
Suporta tudo
todas as ideologias
todas as ondas
todas as nuances
todas as filosofias
E todas as tintas insofismáveis

E nessa geografia branca e negra
O pior medo
A mais terrível blasfêmia
O signo cabalístico da infâmia TOTAL

— Soletra-se:
         A-NAL-FA-BE-TO

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Nouveau Roman. Herman Schmitz (poema) Oscar Holguin (ilustração)

Ilustração de Oscar Holguin

Nouveau Roman

Meu quark laranja, sua postagem aquela noite foi fundamental para o entendimento da solidão universal da raça humana. Você é um santo? Você é um gênio? Quem sou eu para saber, mas foi tão forte esse toque, foi tão sutil nas colocações, os links certos, os argumentos de mão cheia, até a música vibrava na medula da hora, com o subtexto aliciado ao contexto. Anéis de Saturno encantam a lua. Por Odim!!! Foi como estar no Valhala, junto com Allan Ginsberg uivando suavemente no meu ouvido aquela coisa toda sobre a América, mas que América que nada, era muito mais, era um planeta inteiro se remexendo em suas entranhas, desde as fossas abissais do pacífico, aos vulcões do Kilauea. Enquanto isso tudo circulava em 64 bits de emoção, ela, qual uma estrela solitária, dormia nos tempos do foguete e do navio antigravitacional.

Herman Schmitz ₢2019

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Casais literários: Julio Cortázar e Aurora Bernárdez

Casais literários
Julio Cortázar e Aurora Bernárdez em Madri, em foto de 1981
.
"Los había conocido a ambos un cuarto de siglo atrás en casa de un amigo común en París, y desde entonces, hasta la última vez que los vi juntos, en 1967, en Grecia, nunca dejó de maravillarme el espectáculo que significaba oír conversar y ver a Aurora y a Julio en tándem. Todos los demás parecíamos sobrar. Todo lo que decían era inteligente, culto, divertido, vital. Muchas veces pensé: «No pueden ser siempre así. Esas conversaciones las ensayan en su casa, para deslumbrar luego a los interlocutores con las anécdotas inusitadas, las citas brillantísimas y esas bromas que, en el momento oportuno, descargan el clima intelectual». Se pasaban los temas el uno al otro como dos consumados malabaristas y con ellos uno no se aburría nunca. La perfecta complicidad, la secreta inteligencia que parecía unirlos era algo que yo admiraba y envidiaba en la pareja tanto como su simpatía, su compromiso con la literatura y su generosidad para con todo el mundo y, sobre todo, los aprendices como yo. Era difícil determinar quién había leído más y mejor, y cuál de los dos decía cosas más agudas e inesperadas sobre libros y autores."

Mario Vargas Llosa

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A Berinjela - Eduardo Galeano #Miniconto


A Berinjela - Eduardo Galeano

Instruções para triunfar na profissão

Há mil anos, disse o sultão da Pérsia:
— Que maravilha.
Ele nunca havia provado uma berinjela, e agora comia uma cortada em rodelas temperadas com gengibre e ervas do Nilo.

Então o poeta da Corte exaltou a berinjela, que dá prazer à boca e no leito faz milagres, porque para as proezas do amor é mais poderosa que o pó de dente de tigre ou o chifre ralado de rinoceronte.

Algumas rodelas depois, o sultão disse:
— Que porcaria.

E então o poeta da Corte amaldiçoou a berinjela enganosa, que castiga a digestão, enche a cabeça de pensamentos maus e empurra os homens virtuosos ao abismo do delírio e da loucura.

— Você acaba de levar a berinjela ao Paraíso, e agora a está jogando no inferno - comentou um insidioso.

E o poeta, que era um profeta dos meios de comunicação de massa, pôs as coisas em seu devido lugar:

— Eu sou um cortesão do sultão. Não sou cortesão da berinjela.

***
Do Livro: Bocas del Tiempo, 2004

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Review: O que Einstein disse a seu cozinheiro

O que Einstein disse a seu cozinheiro O que Einstein disse a seu cozinheiro by Robert L. Wolke
My rating: 5 of 5 stars

Livro muito interessante!!! Pela primeira vez encontrei um livro que une a ciência da química e da física nos eventos culinários, sem estar relacionado a tecnologia de alimentos. É uma obra para o leitor cozinheiro que gosta de ciência. Muito didático e com exemplos bem diários no cenário de cozinha, tanto doméstica como de restaurante e também alguns conceitos da indústria, estes são normalmente no sentido de desmistificar certas letrinha miúdas que nos passam desapercebidas nos supermercados. Enfim, um livro para ler várias vezes, de preferência, ao lado do fogão...
Só achei as receitas meio deslocadas... Em alguns casos, como dar os truques para cozer mariscos ou coisas assim, eu achei bacana, mas as outras receitas achei desnecessárias...

View all my reviews

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Review: Prometeo encadenado

Prometeo encadenado Prometeo encadenado by Aeschylus
My rating: 4 of 5 stars

Sensação estranha ao terminar de ler este que é um dos pilares da nova mitologia cientificista moderna e contemporânea. Primeiro, para uma obra tão importante, se lê em menos de uma tarde; segundo, é uma tragédia onde não acontece absolutamente nada... Pode parecer ironia, mas o texto que trata da imobilidade de um acorrentado, também é um dos mais "parados" de toda a antiguidade grega. Talvez, se não tivéssemos perdido as duas outras partes que completam a trilogia, o encanto seria outro...
Mas vale a pena, se não pelas lamentações de Prometeu, ao menos pelos dois excelentes ensaios sobre o tema que abrem e fecham a obra. Especialmente o último, de Jordi Balló e Xavier Pérez, por onde desfilam um número assombroso de obras literárias e cinematográficas que estão em débito com a mitologia prometeica, tanto na literatura convencional como na ficção científica.

View all my reviews

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Literatura & Culinária. Um Teto Todo Seu. Virginia Woolf #Citação



É curioso que os romancistas nos façam acreditar que os almoços são invariavelmente memoráveis por algum dito espirituoso ou algum feito muito sábio. Mas eles mal dizem uma palavra sobre o que se comeu. Faz parte de seu costume não mencionar sopa e salmão e pato, como se a sopa e o salmão e o pato não tivessem importância, como se ninguém fumasse um charuto ou tomasse uma taça de vinho. Aqui, contudo, tomarei a liberdade de desafiar esse costume e contar a vocês que o almoço naquela ocasião iniciou-se com linguado – afundado em uma travessa –, sobre o qual o cozinheiro da universidade espalhou uma camada de um creme muito branco, a não ser pelas manchas marrons que o maculavam aqui e ali como as pintas nos flancos de uma corça. Depois disso vieram as perdizes, mas, se vocês pensaram em uma ou duas aves amarronzadas e peladas, estão enganadas. As perdizes, muitas delas, vieram com uma comitiva de molhos e saladas, os picantes e os doces, cada um a seu tempo; as batatas, finas como moedas mas não duras demais; os brotos, folhosos como botões de rosa, porém mais suculentos. Nem bem terminamos com o assado e seu séquito, e o serviçal silencioso, talvez o próprio bedel em uma aparição mais discreta, colocou diante de nós, em meio a uma guirlanda de guardanapos, um doce do qual emergiam ondas de açúcar. Chamá-lo de pudim, e assim relacioná-lo com arroz ou tapioca, seria um insulto. Nesse meio-tempo as taças de vinho jorravam amarelo e jorravam carmim; foram esvaziadas; foram completadas. E assim, aos poucos, acendeu-se no meio da espinha, a base da alma, não aquela luz elétrica rígida que denominamos inteligência, que entra e sai dos lábios, mas o brilho mais profundo, sutil e subterrâneo que é a forte chama da comunicação racional. Sem que precisássemos correr. Sem que precisássemos brilhar. Sem que precisássemos ser alguém que não nós mesmos. Todos nós vamos para o céu, e Van Dyck é quem nos guia – em outras palavras, como a vida parecia boa, como eram doces suas recompensas, como pareciam triviais esta rixa ou aquela mágoa e admiráveis a amizade e as companhias enquanto, acendendo um bom cigarro, nós nos afundávamos entre as almofadas do sofá sob a janela.


Virginia Woolf. Um Teto Todo Seu, 1929.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Sátiro, o el poder de las palabras. Vicente Huidobro #Resenha

Sátiro, o el poder de las palabras. Vicente Huidobro
Sátiro o El poder de las palabras, publicada por primera vez en 1939 y luego de 73 años puesta entre los lectores de la obra huidobriana con esta segunda edición, se trata de un texto narrativo con un lenguaje vivo signado por la experiencialidad de la palabra, en donde cada pagina refleja el poder creativo del autor. No sólo en poesía se expresa el creacionismo de Huidobro, también nos deleita aquí en esta novela poética que ubica a la palabra y sus posibilidades de semantización como centro de las reflexiones de su protagonista, Bernardo Saguen. Como siempre el poder creativo de Huidobro nos atrapa para deslizarnos luego en ese tejido de palabras únicas enunciadas por la voz de un poeta dedicado a revolucionar todo cuanto se escribe.

Jean Cocteau & Tristan Tzara. por Man Ray #Foto #Escritores

Jean Cocteau & Tristan Tzara. Foto: Man Ray

domingo, 2 de dezembro de 2018

Kitchen. Banana Yoshimoto #Cozinha #Citação


Kitchen, Banana Yoshimoto
Creo que la cocina es el lugar del mundo que más me gusta. En la cocina, no importa de quién ni cómo sea, o en cualquier sitio donde se haga comida, no sufro. Si es posible, prefiero que sea funcional y que esté muy usada. Con los trapos secos y limpios, y los azulejos blancos y brillantes.
Incluso las cocinas sucísimas me encantan.
Aunque haya restos de verduras esparcidos por el suelo y esté tan sucio que la suela de las zapatillas quede ennegrecida, si la cocina es muy grande, me gusta. Si allí se yergue una nevera enorme, llena de comida como para pasar un invierno, me gusta apoyarme en su puerta plateada. Cuando levanto los ojos de la cocina de gas grasienta y del cuchillo oxidado, en la ventana brillan estrellas solitarias.
Sólo estamos la cocina y yo. Pero creo que es mejor que pensar que en este mundo estoy yo sola.
Cuando estoy agotada suelo quedarme absorta. Cuando llegue el momento, quiero morir en la cocina. Sola en un lugar frío, o junto a alguien en un lugar cálido, me gustaría ver claramente mi muerte sin sentir miedo. Creo que me gustaría que fuese en la cocina.

Kitchen - Banana Yoshimoto (1988)

Octavio Paz e Luis Buñuel #Foto #Escritores

Octavio Paz e Luis Buñuel

terça-feira, 12 de junho de 2018

Emma. Jane Austen. #Citação #capa


Emma WOODHOUSE, bela, inteligente e rica, com uma família acomodada e um bom caráter, parecia reunir em sua pessoa os melhores dons da existência; e tinha vivido perto de vinte e um anos sem que quase nada a afligisse ou a zangasse.

Era a menor das duas filhas de um pai muito carinhoso e indulgente e, como conseqüência das bodas de sua irmã, desde muito jovem tinha tido que fazer de ama de casa. Fazia já muito tempo que sua mãe tinha morrido para que ela conservasse algo mais que uma confusa lembrança de suas carícias, e tinha ocupado seu lugar uma institutriz, mulher de grande coração, que se tinha feito querer quase como uma mãe.

A senhorita Taylor tinha estado dezesseis anos com a família do senhor Woodhouse, mais como amiga que como institutriz, e muito afeiçoada com as duas filhas, mas sobre tudo com a Emma. A intimidade que havia entre elas era mais de irmãs que de outra coisa. Até antes de que a senhorita Taylor cessasse em suas funções nominais de institutriz, a brandura de seu caráter poucas vezes lhe permitia impor uma proibição; e então, que fazia já tempo que tinha desaparecido a sombra de sua autoridade, tinham seguido vivendo juntas como amigas, muito unidas a uma à outra, e Emma fazendo sempre o que queria; tendo em grande estima o critério da senhorita Taylor, mas regendo-se fundamentalmente pelo seu próprio.

O certo era que os verdadeiros perigos da situação da Emma eram, de uma parte, que em tudo podia fazer sua vontade, e de outra, que era propensa a ter uma idéia muito boa de si mesmo; estas eram as desvantagens que ameaçavam mesclar-se com suas muitas qualidades. Entretanto, no momento o perigo era tão imperceptível que em modo algum podiam considerar-se como inconvenientes deles.

Chegou a contrariedade -uma pequena contrariedade-, sem que isso a turvasse absolutamente de um modo muito visível: a senhorita Taylor se casou.
***

Erich Mª Remarque. #Photo #Cita

Erich Mª Remarque

Para el soldado, su estómago y su digestión son un campo mucho más familiar que para cualquier otro hombre. Las tres cuartas partes de su léxico provienen de aquí, y la expresión de su alegría, al igual que la de su más colérica indignación, encuentran en estas palabras su fuerza descriptiva. Es imposible, de otra forma, expresarse más clara y rotundamente. Nuestras familias y nuestros profesores se escandalizarán cuando volvamos, pero aquí es el idioma universal.
*
Sin Novedad En El Frente, Erich Mª Remarque

Patricia Highsmith. Photo

Patricia Highsmith

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Aquilo que eu gostaria de ser se não fosse o que sou - César Bruto

"Sempre que o tempo fresco chega, ou seja, em meados do outono, dá-me na veneta ter idéias do tipo excêntrico e exótico, como, por exemplo, desejar me tornar andorinha para voar para os países onde haja calor, ou ser formiga para me meter bem dentro de um buraco e comer os produtos guardados durante o verão, ou ser uma víbora como as do zoológico, que estão bem guardadas numa jaula de vidro com aquecimento para não ficarem duras de frio, que é o que acontece aos pobres seres humanos que não podem comprar roupa com o preço que custa, nem podem aquecer-se por falta de querosene, falta de carvão, falta de lenha, falta de petróleo e, também, a falta de prata, porque quando se anda cheio de grana pode-se entrar em qualquer taverna e virar uma boa aguardente, e é preciso ver como aquece, embora não convenha abusar, porque é do abuso que vem o vício e é do vício que vem a degenerescência, tanto do corpo como das taras morais de cada qual, e quando se descamba pelo declive fatal da falta de boa conduta em todos os sentidos, já nada nem ninguém o salva de acabar no mais espantoso caixote de lixo do desprestígio humano, e nunca lhe darão uma mão para tirá-lo lá de dentro, do lixo imundo no qual se contorce, nem mais nem menos do que se fosse um condor, que quando jovem soube correr e voar pelo pico das altas montanhas, mas que ao ficar velho caiu a pique como bombardeiro por lhe ter falhado o motor moral. E oxalá aquilo que estou escrevendo sirva a alguém, para que olhe bem o seu comportamento e não se arrependa quando for tarde e tudo já tiver ido por água abaixo por culpa sua!"

CÉSAR BRUTO,
Aquilo que eu gostaria de ser se não fosse o que sou
(capítulo: Cachorro são-bernardo).

quarta-feira, 14 de março de 2018

domingo, 11 de março de 2018

Los cirujanos tienen que ser muy prudentes - Emily Dickinson

¡Los cirujanos tienen que ser muy prudentes
al tomar el cuchillo!
Debajo de sus finas incisiones
palpita el culpable – ¡la vida!

***

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A Teoria - Jonathan Culler

A Teoria

A impossibilidade de dominar a teoria é uma causa importante de resistência a ela. Não importa quão bem versado você possa pensar ser, não pode jamais ter certeza se "tem de ler" ou não Jean Baudrillard, Mikhail Bakhtin, Walter Benjamin, Hélene Cixous, C.L.R. James, Melanie Klein ou Julia Kristeva, ou se pode ou não esquecê-los com segurança. (Dependerá, naturalmente, de quem "você" é e quem quer ser). Grande parte da hostilidade à teoria, sem dúvida, vem do fato de que admitir a importância da teoria é assumir um compromisso aberto, deixar a si mesmo numa posição em que há sempre coisas importantes que você não sabe. Mas essa é uma condição da própria vida.


Jonathan Culler - Teoria Literária, 1999.

Mais vasto que um formigueiro - Stendhal (Citação)

Mais Vasto que um formigueiro

Um caçador dispara um tiro de espingarda numa floresta, a sua presa cai, ele corre para a agarrar. O seu calçado bate num formigueiro de dois pés de altura, destrói a habitação das formigas, atira-as para longe, bem como aos seus ovos... As mais filósofas das formigas não poderão nunca compreender esse corpo negro, imenso, horrível... a bota do caçador que de repente penetrou na morada delas com uma incrível rapidez, e precedida de um ruído pavoroso, acompanhado de centelhas de um fogo avermelhado...
Assim a morte, a vida, a eternidade... São coisas muito simples para quem tem uma alma suficientemente vasta para as conceber...


Stendhal

O Vermelho e o Negro

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

As Formigas e a Cigarra - Fábula de Ambrose Bierce

Desenho de Batarda Fernandes


AS FORMIGAS E A CIGARRA



Estavam uns tantos Membros duma Assembleia Legislativa a inventariar, no fim de uma sessão, as respectivas fortunas, quando lhes apareceu um Honesto Mineiro a pedir que partilhassem com ele.

— Porque é que o senhor não adquiriu os bens que, por direito, lhe pertencem? — Perguntaram-lhe os Membros da Assembleia Legislativa.

— Porque — respondeu o Honesto Mineiro — estava tão ocupado a extrair ouro que não tive tempo para juntar coisa que se visse.

Os Membros da Assembleia Legislativa puseram-se a rir dele, dizendo:

— Se o senhor perde tempo com tão fúteis distrações, não esteja agora à espera de ter parte na remuneração por um trabalho assíduo.


***
Ambrose Bierce, Fábulas Fantásticas, 1899.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Quando a estrutura falha, a rima tenta vir em socorro - W. C. Williams

Quando a estrutura falha,
a rima tenta vir em socorro

O cavalo velho morre devagar.
Gradativamente
o fervor de suas veias
compara-se ao estiramento

das folhas, dia a dia. Mas
o passo que sua
mente mantém, é o passo
dos seus sonhos. Ele

faz o que pode, com
inabalável fleugma,
olá! mas o passo que
sua carne mantém —

inclinada, inclinada sobre
barras — mendiga
praticamente todo o passo e todos
os refúgios de seus sonhos.

William Carlos Williams
(Tradução: Jorge Wanderley)

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Quanto? — Poema de Carl Sandburg

QUANTO?

— Quanto me amas? Um milhão de alqueires?
— Oh, muito mais que isso, oh, muito mais.

— E amanhã? Talvez meio alqueire?
— Amanhã talvez nem isso.

É esta, então, a aritmética do teu coração?
— Não; é o modo como o vento mede o tempo.

Carl Sandburg

terça-feira, 2 de maio de 2017

Belchior Implodiu - poema de Herman Schmitz



BELCHIOR IMPLODIU

Belchior era apenas um rapaz Latino Americano
que subiu nos palcos, ganhou muito 
mas deixou os shows por medo de avião

Se entregou ao belo prazer de viver
Aventuras muitas, dívidas maiores
De pronto, sua voz não soava tão bem

Uma paixão pela pintura compensava
e a loucura elucubrativa e filosófica
lhe trouxe mecenas e financiadores

Adeus lucro fácil dublando a si mesmo
porque não ser o poeta de tempo integral?

Desceu os degraus ilusórios da fama
com o seu ego em busca de um fim natural
e deste modo raro, conseguiu ser a pessoa
que, renunciando em ser, mais além foi!

2017@HermanSchmitz

terça-feira, 28 de março de 2017

A Porta Aberta - Conto de SAKI


A PORTA ABERTA
SAKI
(Hector Hugh Munro -1870 1916)




— Minha tia já vai descer, sr. Nuttel — disse uma jovem dama de 15 anos, muito segura de si. — Enquanto isso, o senhor terá de me aturar.

Framton Nuttel procurava dizer algo apropriado que lisonjeasse devidamente a sobrinha no momento sem indevidamente menosprezar a tia de logo mais. De si para si duvidava, mais do que nunca, que visitas de cortesia, como essa, a uma série de pessoas estranhas, beneficiassem muito o tratamento de nervos a que pretendiam submetê-lo.

— Já sei como vai ser a coisa — dissera-lhe a irmã quando ele preparava sua retirada para aquele recanto de província. — Você vai-se enterrar ali sem falar a vivalma, e vai-se aborrecer tanto que os seus nervos ficarão piores do que nunca. Pelo sim, pelo não dou-lhe umas cartas de recomendação para todas as pessoas do lugar minhas conhecidas. Algumas delas, ao que me lembro, são bem agradáveis.

Framton perguntava a si mesmo, agora, se a sra. Sappleton, a quem vinha apresentar uma daquelas cartas, pertencia ao grupo agradável.

— O senhor conhece muita gente aqui? — perguntou a sobrinha quando julgou que já tinham tido entre si bastante silêncio.

— Quase ninguém — respondeu Framton. — Minha irmã passou aqui algum tempo na reitoria, há uns quatro anos, e deu-me cartas de apresentação para várias pessoas daqui.

Estas últimas palavras foram pronunciadas em tom de manifesto pesar.

— Então o senhor não sabe praticamente nada a respeito de minha tia? — perguntou a jovem dama, segura de si.

— Nada, a não ser o nome e o endereço — reconheceu o visitante.

Nem sabia se a sra. Sappleton era casada ou viúva. Um não sei quê indeterminável parecia sugerir a existência de homens na casa.

— Pois a grande tragédia dela ocorreu há três anos — declarou a menina —, quer dizer, após a visita da irmã do senhor.

— Tragédia? — perguntou Framton.

Naquele cantinho tranquilo de província parecia não haver lugar para tragédias.

— O senhor poderia perguntar por que deixamos esta porta-janela aberta numa tarde de outubro — disse ela, indicando uma larga porta que dava sobre um relvado.

— Está muito quente para a estação — observou Framton —, mas será que essa porta tem algo que ver com o drama?

— Foi por ela que, há três anos menos um dia, o marido de minha tia e seus dois jovens irmãos saíram para a caça. Nunca voltaram. Ao atravessarem o brejo para chegar ao seu lugar favorito, onde costumavam caçar narcejas, os três foram tragados por um pântano traiçoeiro. Naquele ano o verão tinha sido muito úmido, o senhor sabe, e trechos seguros do caminho em outros anos cediam de repente sem dizer água-vai. E — o que há de mais horrível — os corpos nunca foram encontrados.

Aqui a voz da menina perdeu o tom firme e tornou-se hesitante, humana:

— A pobrezinha da titia sempre pensa que eles um dia voltarão, eles e o pequeno sabujo castanho que com eles se perdeu, e vão entrar pela porta, como habitualmente faziam. É por isso que a deixam aberta todas as tardes, até o cair do crepúsculo. Pobre titia! Mais de uma vez me contou como eles foram embora, seu marido com o impermeável branco sobre o braço, e Ronnie, seu irmão mais moço, cantando “Bertie, por que estás pulando?”, com que habitualmente a agastava, porque ele dizia que aquilo a irritava muito. Sabe? Às vezes, em noites tranquilas, silenciosas como esta, eu tenho uma espécie de calafrio: parece-me que os vejo todos entrar por aquela porta.

Interrompeu-se, com um leve tremor. Foi para Framton verdadeiro alívio quando a tia irrompeu no salão multiplicando desculpas por não haver aparecido antes.

— Espero que Vera o tenha divertido — disse.

— A conversa dela tem sido muito interessante — declarou Framton.

— Espero que a porta aberta não o esteja incomodando — disse a sra. Sappleton com vivacidade. — Meu marido e meus irmãos vão chegar da caçada, e eles sempre entram por aqui. Hoje foram caçar narcejas no paul, e vão sujar completamente os meus pobres tapetes. São coisas de homem, não é?

Continuou a tagarelar sobre a casa e a escassez de aves e as perspectivas de haver patos no inverno. Para Framton tudo aquilo era simplesmente horrível. Fez um esforço desesperado, mas só em parte bem-sucedido, a fim de encaminhar a conversa a outro assunto menos horroroso; sentia que a dona da casa só lhe consagrava parte de sua atenção, pois seus olhares iam, sem parar, em direção à porta aberta e ao relvado. Fora, na verdade, uma coincidência infeliz que o trouxera àquela casa precisamente naquele aniversário trágico.

— Os médicos são unânimes em me aconselhar repouso absoluto, abstenção de qualquer excitação mental e de qualquer exercício físico de certa violência — anunciou Framton, que sofria da ilusão, muito espalhada, de que pessoas de todo estranhas a nós, ou conhecidas por acaso, ficam ávidas de conhecer até os mínimos pormenores de nossas doenças e enfermidades, de sua causa e seu tratamento. — Eles só não estão de acordo quanto ao regime — acrescentou.

— Não? — perguntou a sra. Sappleton num tom que ainda em tempo substituiu um bocejo.

Depois, de repente, seu rosto se aclarou num ar de atenção, mas não àquilo que Framton dizia.

— Afinal chegaram! — exclamou. — Justo à hora do chá. Mas não vê que estão cheios de lama até os olhos?

Framton estremeceu de leve e voltou-se para a sobrinha com um olhar destinado a comunicar-lhe uma compreensiva solidariedade. A mocinha estava com os olhos fixos na porta, cheios de horror e estupefação. Num frio choque de medo inominável, Framton virou-se na sua poltrona e olhou para a mesma direção.

No crepúsculo cada vez mais escuro três vultos atravessavam o relvado em direitura à porta; os três sobraçavam espingardas, e um deles tinha também uma capa branca, pendente de um dos ombros. Um sabujo castanho, cansado, seguia-lhe as pegadas. Sem barulho chegaram à casa, até que uma voz moça e rouca se pôs a cantar no lusco-fusco: — “Bertie, por que estás pulando?”

Framton agarrou compulsivamente a bengala e o chapéu; a porta do vestíbulo, o passeio de cascalho e o portão da frente foram as etapas confusamente notadas de sua precipitada fuga. Um ciclista que vinha pela estrada teve de se encostar à cerca para evitar uma colisão.

— Chegamos, querida — disse o da capa branca entrando pela porta. — Estamos cheios de lama, mas quase toda seca. Mas quem foi que fugiu daqui à nossa chegada?

— Um homem esquisitíssimo, um certo sr. Nuttel — disse a sra. Sappleton. — Só sabia falar das próprias doenças, e sumiu sem uma palavra de adeus ou de desculpa quando vocês entraram. Dir-se-ia que viu um fantasma.

— Parece-me que foi o sabujo — disse calmamente a sobrinha. — Ele me contou que tinha horror a tudo quanto é cachorro. Certa vez foi perseguido, num cemitério lá nas margens do Ganges, por uma matilha de cães párias, e teve de passar a noite numa cova recém-aberta, com os bichos a rosnar, a espumar, a arreganhar os dentes para ele. O bastante para a gente ficar com os nervos abalados.

Ela estava-se especializando em improvisar histórias.


***

A bibliografia de Saki comporta alguns volumes de contos: Reginaldo; Reginaldo na Rússia; As crônicas de Clóvis; Bichos e superbichos (1914); um romance: O insuportável Bassington; uma sátira política: Alice em Westminster; e um único “livro sério”: A ascensão do império russo.

“Unindo a agudo senso do ridículo o talento da sátira mordaz e até amarga”,45 encontrou Saki na alta sociedade inglesa matéria abundante para os seus contos. Os passatempos frívolos dessa classe — o jogo, a caça, o turfe, as reuniões sociais — eram alvos preferidos do escritor, que os ridicularizava sem poder esconder de todo a ternura que aquele ambiente, o seu, apesar de tudo lhe inspirava. 

(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai - Mar de Histórias, vol. 9).