quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Franz Kafka — Poseidon

Poseidon sentou-se em seu escritório, revisando as contas. A administração de todas as águas dava-lhe um trabalho insano. Ele poderia ter quantos assistentes desejasse, e de fato tinha um grande número deles, mas, como levava seu trabalho muito a sério, teimava repassar os olhos por todas as contas, e assim seus assistentes de pouco lhe valiam. Não se pode dizer que se divertisse com a função; ele a levava adiante simplesmente porque era o que lhe haviam atribuído; em verdade, com frequência, havia requisitado o que chamava de um trabalho mais alegre, mas sempre que várias sugestões lhe foram mostradas o resultado era que nenhuma delas lhe era adequada como o era sua presente ocupação. Desnecessário dizer, era muito difícil arrumar para ele uma outra profissão. Afinal, ele não poderia ser o responsável por um oceano em particular. Independentemente do fato de que num caso como este o volume de trabalho envolvido não seria menor, apenas mais aprazível, o grande Poseidon só poderia ocupar uma posição superior. E quando lhe foi oferecido um posto não relacionado com as águas, esta mera possibilidade fez com que ele se sentisse doente, sua divina respiração tornou-se escassa e seu peito de aço começou a arfar. Para falar a verdade, ninguém levou sua reação a sério; quando um homem poderoso se queixa espera-se que ele grite, por mais desesperante que seja o caso. Ninguém jamais, de fato, considerou a possibilidade de retirar Poseidon de sua posição; ele estava destinado a ser o Deus dos Mares desde os tempos imemoriais, e assim era que deveria prosseguir.

O que mais o entediava — e esta era a causa principal de seu desconforto com seu trabalho — era saber dos boatos que circulavam a seu respeito; por exemplo, que ele estava constantemente cruzando as ondas com seu tridente. E no entanto lá estava ele sentado nas profundezas do oceano do mundo revisando contas sem fim; uma viagem ocasional a Júpiter era a única interrupção desta monotonia, uma viagem no entanto da qual retornava invariavelmente furioso. Consequentemente, ele pouco viu dos oceanos, salvo a esquadra que o acompanhava à ascensão ao Olimpo, e na verdade nunca chegou a embarcar nela. Costumava dizer que estava adiando isso tudo até o fim do mundo, pois então deveria surgir um momento tranquilo quando, pouco antes do fim e tendo repassado a última conta, ele poderia ainda fazer uma rápida expedição pelos mares.

Fonte: Flávio Moreira da Costa, Viver de Rir. Ed. Record, 1995.

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