Aprendi de cor a vida de minha mãe e, todas as manhãs, durante uma hora, interpreto-a diante dos espelhos, como no teatro. Isso continua dia após dia, há anos. Uso seus vestidos e seu leque e penteio-me como ela, trançando meus cabelos em forma de touca de lã. Imito-a também na presença dos outros e até no leito do meu bem amado. Nos momentos de paixão, não existo mais, sou ela apenas. Imito-a tão bem, então, que minha paixão desaparece, deixando lugar à dela. Desse modo, ela antecipadamente me roubou todas as carícias do amor. Mas não a censuro por isso, porque sei que também ela foi pilhada da mesma forma por sua mãe. Se alguém me perguntasse agora de que serve tal fogo, responderia: tento colocar-me no mundo de novo, tornando-me, porém, melhor…
Dicionário Kazar - Romance Enciclopédia em 100.000 palavras - edição feminina, PAVIC, Milorad; tradução Herbert Daniel, ed. Marco Zero, São Paulo, 1989.
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