quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O Diário de Adão (fragmentos) — Mark Twain


FRAGMENTOS DO DIÁRIO DE ADÃO


QUARTA-FEIRA

Construí um abrigo contra a chuva, mas não pude desfrutá-lo em paz. A nova criatura intrometeu-se nele. Quando tentei expulsá-la, ela verteu água pelos orifícios pelos quais olha, e enxugou-a com as costas de suas patas, produzindo um ruído semelhante ao que vários animais fazem quando estão aflitos. Gostaria que não falasse; está sempre falando. Isso parece uma implicância gratuita com a pobre criatura, um insulto; mas não é o que quero dizer. Eu nunca havia escutado uma voz humana antes, e qualquer som novo e estranho que irrompe sobre o murmurar solene destas vastidões sonhadoras ofende meus ouvidos e soa como uma nota falsa. E este novo som está tão perto; bem ao lado do meu ombro, em cima das minhas orelhas, primeiro de um lado, depois do outro, e estou acostumado apenas a sons que estão mais ou menos longe de mim.



SEXTA-FEIRA

O processo de nomear continua intenso e sem qualquer controle, e não há nada que eu possa fazer. Eu tinha posto um ótimo nome no território, um nome musical e belo — JARDIM DO ÉDEN. Comigo mesmo, continuo a chamá-lo assim, mas já não posso fazê-lo abertamente. A nova criatura diz que ele é todo bosques e rochas e paisagens, e portanto não se parece de forma alguma com um jardim. Ela diz que se parece com um parque, e que não se parece com mais nada a não ser um parque. Portanto, sem me consultar, ele foi renomeado — PARQUE DAS CATARATAS DO NIÁGARA. Isto me parece bastante arbitrário. E já tem um cartaz: 
NÃO PISE NA GRAMA. Minha vida já não é tão feliz como antes.



SÁBADO

A nova criatura come frutas demais. Vamos ter uma escassez, ao que tudo indica. O nós de novo — a palavra daquela coisa, e minha também, agora, depois de tanto ouvi-la. Muita neblina esta manhã. Eu não saio no meio da neblina. A nova criatura sai. Ela sai com qualquer tipo de clima e pisa aqui dentro com seus pés enlameados. E fala. Aqui costumava ser tão quieto e prazeroso.

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