domingo, 20 de outubro de 2019

Os Infos - #Poema

Ilustração: Oscar Holguin

OS INFOS

Se no fundo do corpo material
somente encontramos faíscas elétricas
reagindo entre ácidos e bases
é no corpo imaterial que devemos procurar
a origem das nossas informações

Pode ser que neste lugar
onde vivem os pensamentos
onde está o que se chama inteligência
possamos encontrar o infinitivo abstrato
o produto final
das redundâncias da comunicação humana

Neste lugar
um dado qualquer se une a uma outra ideia
e a união desses dois infos forma uma outra coisa
também medida em infos

Neste lugar
a imaginação pode ser resumida
a infos com sentido encontrados ao acaso
num universo de possibilidades randômicas

Neste lugar
os infos transitam sem tempo nem espaço
declinados de hora ou lugar
e sem outros valores como
de peso, por quilo ou por metro

Neste lugar
não há info disso ou info daquilo
é info mesmo

Mas esses infos todos
quando se transportam em gente
podem sumir de repente

Londrina, Herman Augusto Schmitz, 2017

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Nada Também Consta. Poema de Herman Schmitz. Ilust. Oscar Holguin

Ilustração: Oscar Holguin

O NADA TAMBÉM CONSTA
Herman Schmitz

Um homem perde um lápis dentro de casa
Procura em gavetas, em cima das mesas
Vazia os bolsos no cesto de roupas sujas
Procura e procura e não acha

Porque razão há de se preocupar
Afinal é só um lápis, e ainda bem usado
Nada mais fácil em substituir por um novo

Mas se por acaso perdeste tudo na vida
As tuas coisas, o teu rumo, o teu conhecimento
Perdeste até mesmo o teu reflexo na janela

E hoje tem que viver com essa falta, essa ausência
Com o nada absoluto do vazio total dentro de si

Então...

Dê alguns passos para trás e contemple:
Fraquinho e demasiado pequeno para andar
A criatura rasteja nesse espaço pequeno
Desprende um odor adocicado de canela
E tem um tubo de carvão por dentro

O velho lápis escondeu-se depois que
um risco seu marcou uma folha branca
O escritor não me achará, — pensa aflito,
escorregando porta afora,
se preservando
do escrito!

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A Folha em Branco. Herman Schmitz #Poema #Escritor

A FOLHA EM BRANCO 

Ilustração Oscar Holguin

Eis a folha em branco!

A folha lívida que te desafia
Um véu sedoso a encobrir o não dito
Uma ausência do além se estendendo
sobre epigramas que ainda nem existem

Folha!
Folha em branco!
sedenta de tinta
  de tipos
de letras e expressões
de formas e abstrações

Cada palavra é uma opção
Um risco de liberdade
Predisposto a se revelar mesmo no sentido
mais oculto ou inusitado

Eis a folha em branco!

Assim as letras caem sobre o papel
no abismo gráfico
no redemoinho
no vórtice feroz das composições
das encadernações, dos teletipos


Mas o branco absoluto
Por sua natureza imparcial
Suporta tudo
todas as ideologias
todas as ondas
todas as nuances
todas as filosofias
E todas as tintas insofismáveis

E nessa geografia branca e negra
O pior medo
A mais terrível blasfêmia
O signo cabalístico da infâmia TOTAL

— Soletra-se:
         A-NAL-FA-BE-TO

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Nouveau Roman. Herman Schmitz (poema) Oscar Holguin (ilustração)

Ilustração de Oscar Holguin

Nouveau Roman

Meu quark laranja, sua postagem aquela noite foi fundamental para o entendimento da solidão universal da raça humana. Você é um santo? Você é um gênio? Quem sou eu para saber, mas foi tão forte esse toque, foi tão sutil nas colocações, os links certos, os argumentos de mão cheia, até a música vibrava na medula da hora, com o subtexto aliciado ao contexto. Anéis de Saturno encantam a lua. Por Odim!!! Foi como estar no Valhala, junto com Allan Ginsberg uivando suavemente no meu ouvido aquela coisa toda sobre a América, mas que América que nada, era muito mais, era um planeta inteiro se remexendo em suas entranhas, desde as fossas abissais do pacífico, aos vulcões do Kilauea. Enquanto isso tudo circulava em 64 bits de emoção, ela, qual uma estrela solitária, dormia nos tempos do foguete e do navio antigravitacional.

Herman Schmitz ₢2019

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Casais literários: Julio Cortázar e Aurora Bernárdez

Casais literários
Julio Cortázar e Aurora Bernárdez em Madri, em foto de 1981
.
"Los había conocido a ambos un cuarto de siglo atrás en casa de un amigo común en París, y desde entonces, hasta la última vez que los vi juntos, en 1967, en Grecia, nunca dejó de maravillarme el espectáculo que significaba oír conversar y ver a Aurora y a Julio en tándem. Todos los demás parecíamos sobrar. Todo lo que decían era inteligente, culto, divertido, vital. Muchas veces pensé: «No pueden ser siempre así. Esas conversaciones las ensayan en su casa, para deslumbrar luego a los interlocutores con las anécdotas inusitadas, las citas brillantísimas y esas bromas que, en el momento oportuno, descargan el clima intelectual». Se pasaban los temas el uno al otro como dos consumados malabaristas y con ellos uno no se aburría nunca. La perfecta complicidad, la secreta inteligencia que parecía unirlos era algo que yo admiraba y envidiaba en la pareja tanto como su simpatía, su compromiso con la literatura y su generosidad para con todo el mundo y, sobre todo, los aprendices como yo. Era difícil determinar quién había leído más y mejor, y cuál de los dos decía cosas más agudas e inesperadas sobre libros y autores."

Mario Vargas Llosa

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A Berinjela - Eduardo Galeano #Miniconto


A Berinjela - Eduardo Galeano

Instruções para triunfar na profissão

Há mil anos, disse o sultão da Pérsia:
— Que maravilha.
Ele nunca havia provado uma berinjela, e agora comia uma cortada em rodelas temperadas com gengibre e ervas do Nilo.

Então o poeta da Corte exaltou a berinjela, que dá prazer à boca e no leito faz milagres, porque para as proezas do amor é mais poderosa que o pó de dente de tigre ou o chifre ralado de rinoceronte.

Algumas rodelas depois, o sultão disse:
— Que porcaria.

E então o poeta da Corte amaldiçoou a berinjela enganosa, que castiga a digestão, enche a cabeça de pensamentos maus e empurra os homens virtuosos ao abismo do delírio e da loucura.

— Você acaba de levar a berinjela ao Paraíso, e agora a está jogando no inferno - comentou um insidioso.

E o poeta, que era um profeta dos meios de comunicação de massa, pôs as coisas em seu devido lugar:

— Eu sou um cortesão do sultão. Não sou cortesão da berinjela.

***
Do Livro: Bocas del Tiempo, 2004

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Review: O que Einstein disse a seu cozinheiro

O que Einstein disse a seu cozinheiro O que Einstein disse a seu cozinheiro by Robert L. Wolke
My rating: 5 of 5 stars

Livro muito interessante!!! Pela primeira vez encontrei um livro que une a ciência da química e da física nos eventos culinários, sem estar relacionado a tecnologia de alimentos. É uma obra para o leitor cozinheiro que gosta de ciência. Muito didático e com exemplos bem diários no cenário de cozinha, tanto doméstica como de restaurante e também alguns conceitos da indústria, estes são normalmente no sentido de desmistificar certas letrinha miúdas que nos passam desapercebidas nos supermercados. Enfim, um livro para ler várias vezes, de preferência, ao lado do fogão...
Só achei as receitas meio deslocadas... Em alguns casos, como dar os truques para cozer mariscos ou coisas assim, eu achei bacana, mas as outras receitas achei desnecessárias...

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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Review: Prometeo encadenado

Prometeo encadenado Prometeo encadenado by Aeschylus
My rating: 4 of 5 stars

Sensação estranha ao terminar de ler este que é um dos pilares da nova mitologia cientificista moderna e contemporânea. Primeiro, para uma obra tão importante, se lê em menos de uma tarde; segundo, é uma tragédia onde não acontece absolutamente nada... Pode parecer ironia, mas o texto que trata da imobilidade de um acorrentado, também é um dos mais "parados" de toda a antiguidade grega. Talvez, se não tivéssemos perdido as duas outras partes que completam a trilogia, o encanto seria outro...
Mas vale a pena, se não pelas lamentações de Prometeu, ao menos pelos dois excelentes ensaios sobre o tema que abrem e fecham a obra. Especialmente o último, de Jordi Balló e Xavier Pérez, por onde desfilam um número assombroso de obras literárias e cinematográficas que estão em débito com a mitologia prometeica, tanto na literatura convencional como na ficção científica.

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quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Literatura & Culinária. Um Teto Todo Seu. Virginia Woolf #Citação



É curioso que os romancistas nos façam acreditar que os almoços são invariavelmente memoráveis por algum dito espirituoso ou algum feito muito sábio. Mas eles mal dizem uma palavra sobre o que se comeu. Faz parte de seu costume não mencionar sopa e salmão e pato, como se a sopa e o salmão e o pato não tivessem importância, como se ninguém fumasse um charuto ou tomasse uma taça de vinho. Aqui, contudo, tomarei a liberdade de desafiar esse costume e contar a vocês que o almoço naquela ocasião iniciou-se com linguado – afundado em uma travessa –, sobre o qual o cozinheiro da universidade espalhou uma camada de um creme muito branco, a não ser pelas manchas marrons que o maculavam aqui e ali como as pintas nos flancos de uma corça. Depois disso vieram as perdizes, mas, se vocês pensaram em uma ou duas aves amarronzadas e peladas, estão enganadas. As perdizes, muitas delas, vieram com uma comitiva de molhos e saladas, os picantes e os doces, cada um a seu tempo; as batatas, finas como moedas mas não duras demais; os brotos, folhosos como botões de rosa, porém mais suculentos. Nem bem terminamos com o assado e seu séquito, e o serviçal silencioso, talvez o próprio bedel em uma aparição mais discreta, colocou diante de nós, em meio a uma guirlanda de guardanapos, um doce do qual emergiam ondas de açúcar. Chamá-lo de pudim, e assim relacioná-lo com arroz ou tapioca, seria um insulto. Nesse meio-tempo as taças de vinho jorravam amarelo e jorravam carmim; foram esvaziadas; foram completadas. E assim, aos poucos, acendeu-se no meio da espinha, a base da alma, não aquela luz elétrica rígida que denominamos inteligência, que entra e sai dos lábios, mas o brilho mais profundo, sutil e subterrâneo que é a forte chama da comunicação racional. Sem que precisássemos correr. Sem que precisássemos brilhar. Sem que precisássemos ser alguém que não nós mesmos. Todos nós vamos para o céu, e Van Dyck é quem nos guia – em outras palavras, como a vida parecia boa, como eram doces suas recompensas, como pareciam triviais esta rixa ou aquela mágoa e admiráveis a amizade e as companhias enquanto, acendendo um bom cigarro, nós nos afundávamos entre as almofadas do sofá sob a janela.


Virginia Woolf. Um Teto Todo Seu, 1929.