sábado, 22 de outubro de 2022

A crítica de Poesia - Evando Nascimento

A análise fria destrói a poesia
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Copio, colo, assino embaixo e ainda suplemento o que Goethe disse a propósito do Fausto, obra de toda uma vida, já respondendo a críticas de seus contemporâneos e antecipando as dos pósteros: Na poesia não há contradições. Estas existem apenas no mundo real, não no mundo da poesia. Aquilo que o poeta cria tem de ser aceito tal como ele o criou. O seu mundo é exatamente como foi feito. Aquilo que o espírito poético gerou precisa ser acolhido pela sensibilidade poética. A análise fria destrói a poesia e não produz nenhuma realidade. Restam apenas destroços, que não servem para nada e apenas estorvam. Um artista deveria ser sempre medido por sua própria verossimilhança, com que atinge camadas insuspeitas do real. Nada pior do que o realismo pobre. Pobre não porque trate de pobreza, pois Graciliano, o neorrealismo italiano e Glauber, por exemplo, produziram obras esplêndidas com conteúdo escasso; mas porque justamente não consegue desenvolver a forma para reinventar a mísera realidade. Nada mais inócuo do que o realismo chão, sem voo experimental. À escassez da realidade deveria sempre corresponder a raridade de uma linguagem que indaga ferozmente as coisas do mundo, como bem assinalou um crítico escritor. Difícil saber se a pior censura é a estética, que exige o aprisionamento às normas do banal verossímil — ou a de conteúdo, que obriga sempre aos mesmos temas.
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Cantos Profanos
Evando Nascimento
2014

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Sobre os poetas e seus moinhos de imagens – Mario Quintana

Mau humor

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Os poetas, com os seus moinhos de imagens, rodando e rodando e rodando na manivela dos ritmos, mais parecem uns micos de realejo... Tão engraçadinhos!

Mas essa musiquinha não resolve...

E vejo que, em torno, na praça do mercado, é cada vez mais rara a costumeira aglomeração de basbaques e ociosos...

E eu, se não fora o compromisso da hora H, não escrevia nada hoje. Nem teria escrito nunca. Pelo simples motivo de que, tudo quanto me venha acaso à cabeça, já no mesmo instante, e por isso mesmo, deixa de ser novidade para mim.

De modo que me aborreço muito antes do leitor...

Não sei o que fazer desta minha máquina de pensar, seu moço. Sua falta de surpresa desinteressa-me.

E não há a mínima esperança.

Pois até seus desarranjos redundam tão somente em novas combinações dos mesmíssimos elementos, como um caleidoscópio que fosse rolando escada abaixo. E ainda que eu jogasse para as alturas, iria dar no mesmo.

Em vista disso, alguns me aconselham a escrita automática, que é afinal de contas o que os surrealistas consideram poesia pura.

Mas isto me lembra, e muito, o baixo espiritismo, de tão pífios resultados...

E em última análise, não é mais ou menos o que se tem feito em todas as épocas, com o clássico automatismo do metro e da rima?

Ah! os poetas com os seus moinhos de imagens mais parecem etc. etc.

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Porta Giratória
Mario Quintana
2014