Camilo José Cela Trulock (Padrón, 11 de Maio de 1916 — Madrid, 17 de Janeiro de 2002) foi um escritor espanhol.
Foi membro da Real Academia Espanhola desde 1957 até a sua morte. Recebeu o Nobel de Literatura de 1989.
Biografia
Começou o curso de Medicina na Universidade Complutense e assistiu a algumas aulas de Filosofia e Letras na Universidade de Madrid.
Lutou na Guerra Civil, integrado no exército nacionalista de Franco, até que foi ferido por uma granada errante, tendo aí terminado a sua vida militar. Uma vez finda a guerra, dedicou-se ao jornalismo e ocupou vários empregos de carácter essencialmente burocrático, entre os quais o de censurador, que mais tarde o faria ser bastante criticado.
Em 1944 casou com Rosario Conde Picavea, com quem teve um filho, Camilo José Cela Conde, nascido em 1946.
No meio de um panorama caracterizado pela abundância de romances de escassa capacidade renovadora, em 1942 se produz um acontecimento de singular importância literária: a publicação de A família de Pascual Duarte (uma dura história ambientada num pequeno povoado: reflecte o mundo popular e campesino e a seres primitivos, de instintos primários e grandes paixões, onde destacam o ódio e a violência). Escrita com uma prosa brutal e crua, foi todo um acontecimento e deu lugar mesmo a uma corrente, conhecida como «Tremendismo».
Em 1943, Pavilhão de repouso, sucessão de monólogos dos tuberculosos de um sanatório, aprofunda a linha existencialista, que em A família de Pascoal Duarte se tinha manifestado na caracterização da vida como algo absurdo.
Em 1948, Viagem a Alcarria descrevia, ainda que sem excessiva crueza, um mundo rural atrasado e marginalizado, semelhante ao de A família de Pascual Duarte.
A colméia, a obra mais importante de Cela, inaugura o realismo social dos anos cinquenta. Seria editado em 1951 em Buenos Aires, já que a censura tinha proibido sua publicação na Espanha por causa de suas passagens eróticas.
Sempre inquieto e desejoso de procurar novos caminhos narrativos, sua seguinte novela, Mrs. Caldwell fala com seu filho (1953), afasta-se do realismo para mergulhar na mente de uma louca que dialoga com seu filho morto.
Depois de um longo parêntese, em 1969 publica São Camilo 1936, novela experimental que, mediante um único monólogo interior, oferece uma descrição surrealista do primeiro dia da guerra civil num bordel de Madri.
Entre suas últimas novelas destacam Mazurca para dois mortos (1983), ambientada na Galiza, e Cristo contra Arizona (1994), que continua sua linha experimentalista. Sua última obra publicada é Madeira de lei, e tem como argumento a vida dos pescadores da Costa da Morte.
(…) Recorde-se o caso de Camilo José Cela. Talvez o galego mais mesclado, em seu sangue e em sua formação, de influências trazidas por gente sua, à Espanha, de várias partes do mundo. Inclusive do Brasil, onde se fixou um Raimundo Cela como pintor de retratos de gente ilustre; e de onde um tio, José Cela, trouxe à Espanha um papagaio para logo depois voltar ao Brasil e aqui falecer. Esses Celas brasileiros parecem ter impressionado de algum modo o menino galego que se tornaria um tão incisivo e complexo escritor em língua espanhola. Mas já não era um puro galego nem no sangue nem, é evidente, na personalidade. Pois já se tornara, como ele próprio, esclarece em La Rosa - livro de memórias - "mescla de galego e inglês". E um inglês - da sua gente materna - presente no escritor que, no domínio literário sobre a língua espanhola, não é excedido por nenhum de seus contemporâneos. Se a crítica o considera "figura única en el mundo de las letras españolas", essa singularidade pode ser, em parte, atribuída à influência da literatura inglesa que em Cela se conjuga com o apego a castiças tradições pan-espanholas: castelhanas e galegas, principalmente.
Grande a influência da mãe de Cela sobre o futuro escritor. Essa mãe fora, quando solteira, Miss Camila Trulock. Dela escreve Cela em La Rosa: "mi madre era una inglesa de verdade". Qual sua concepção de uma inglesa de verdade? Ele próprio que responda: "las inglesas de verdad... son escasas, românticas e espirituales". O que, a ser exato, levaria um intérprete do que em Cela é neo-romântico à conclusão de que, para esse seu modo de ser escritor, teriam concorrido a mãe inglesa e os Celas galegos. Uns e outros, entretanto, galegos e ingleses, conhecidos como gente também prática e realista. Mistos de sanchos e de quixotes. Contradição característica de vários dos que, no Brasil, somos hispanos nas nossas principais raízes e vocações. Existem, até, entre brasileiros, os de formação, como a de Camilo José Cela meio inglesa e meio hispânica, ou meio francesa e meio hispânica, sem que se excluam outros ingredientes. O afro-negro, entre eles. O ameríndio. O semita.
Se existem essas combinações, creio vir sendo, em grande parte, um desses escritores brasileiros nos quais predomina a combinação das duas influências: a espanhola e a inglesa. E toques de sugestões africanas e ameríndias.
Lendo certas páginas autobiográficas de Cela, encontro-me, por vezes, nesse Cela, misto de hispano e de anglo-saxão no principal de sua formação. Inclusive - ouso sugerir - no modo de sermos, os dois, escritores um tanto diferentes dos nossos vário compatriotas de feitio mais acadêmico. Ao que é possível nos tenha levado aquela necessidade de procurar compreender ao mesmo tempo que o comum, o único, em pessoas e em sociedades: tendência tão do ensaísta mais espanhol quanto do ensaísta mais britânico. (…) Source: FREYRE, Gilberto. Um escritor brasileiro recorda seus contactos com a Espanha. Cultura - MEC. Brasília, n. 10, v. 35, p. 103-112, jul./dez. 1980.
Camilo José Cela Trulock (Padrón, 11 de Maio de 1916 — Madrid, 17 de Janeiro de 2002) foi um escritor espanhol.
ResponderExcluirFoi membro da Real Academia Espanhola desde 1957 até a sua morte. Recebeu o Nobel de Literatura de 1989.
Biografia
Começou o curso de Medicina na Universidade Complutense e assistiu a algumas aulas de Filosofia e Letras na Universidade de Madrid.
Lutou na Guerra Civil, integrado no exército nacionalista de Franco, até que foi ferido por uma granada errante, tendo aí terminado a sua vida militar. Uma vez finda a guerra, dedicou-se ao jornalismo e ocupou vários empregos de carácter essencialmente burocrático, entre os quais o de censurador, que mais tarde o faria ser bastante criticado.
Em 1944 casou com Rosario Conde Picavea, com quem teve um filho, Camilo José Cela Conde, nascido em 1946.
No meio de um panorama caracterizado pela abundância de romances de escassa capacidade renovadora, em 1942 se produz um acontecimento de singular importância literária: a publicação de A família de Pascual Duarte (uma dura história ambientada num pequeno povoado: reflecte o mundo popular e campesino e a seres primitivos, de instintos primários e grandes paixões, onde destacam o ódio e a violência). Escrita com uma prosa brutal e crua, foi todo um acontecimento e deu lugar mesmo a uma corrente, conhecida como «Tremendismo».
Em 1943, Pavilhão de repouso, sucessão de monólogos dos tuberculosos de um sanatório, aprofunda a linha existencialista, que em A família de Pascoal Duarte se tinha manifestado na caracterização da vida como algo absurdo.
Em 1948, Viagem a Alcarria descrevia, ainda que sem excessiva crueza, um mundo rural atrasado e marginalizado, semelhante ao de A família de Pascual Duarte.
A colméia, a obra mais importante de Cela, inaugura o realismo social dos anos cinquenta. Seria editado em 1951 em Buenos Aires, já que a censura tinha proibido sua publicação na Espanha por causa de suas passagens eróticas.
Sempre inquieto e desejoso de procurar novos caminhos narrativos, sua seguinte novela, Mrs. Caldwell fala com seu filho (1953), afasta-se do realismo para mergulhar na mente de uma louca que dialoga com seu filho morto.
Depois de um longo parêntese, em 1969 publica São Camilo 1936, novela experimental que, mediante um único monólogo interior, oferece uma descrição surrealista do primeiro dia da guerra civil num bordel de Madri.
Entre suas últimas novelas destacam Mazurca para dois mortos (1983), ambientada na Galiza, e Cristo contra Arizona (1994), que continua sua linha experimentalista. Sua última obra publicada é Madeira de lei, e tem como argumento a vida dos pescadores da Costa da Morte.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Camilo_Jos%C3%A9_Cela
Gilberto Freyre comentando Camilo José Cela
ResponderExcluir(…) Recorde-se o caso de Camilo José Cela. Talvez o galego mais mesclado, em seu sangue e em sua formação, de influências trazidas por gente sua, à Espanha, de várias partes do mundo. Inclusive do Brasil, onde se fixou um Raimundo Cela como pintor de retratos de gente ilustre; e de onde um tio, José Cela, trouxe à Espanha um papagaio para logo depois voltar ao Brasil e aqui falecer. Esses Celas brasileiros parecem ter impressionado de algum modo o menino galego que se tornaria um tão incisivo e complexo escritor em língua espanhola. Mas já não era um puro galego nem no sangue nem, é evidente, na personalidade. Pois já se tornara, como ele próprio, esclarece em La Rosa - livro de memórias - "mescla de galego e inglês". E um inglês - da sua gente materna - presente no escritor que, no domínio literário sobre a língua espanhola, não é excedido por nenhum de seus contemporâneos. Se a crítica o considera "figura única en el mundo de las letras españolas", essa singularidade pode ser, em parte, atribuída à influência da literatura inglesa que em Cela se conjuga com o apego a castiças tradições pan-espanholas: castelhanas e galegas, principalmente.
Grande a influência da mãe de Cela sobre o futuro escritor. Essa mãe fora, quando solteira, Miss Camila Trulock. Dela escreve Cela em La Rosa: "mi madre era una inglesa de verdade". Qual sua concepção de uma inglesa de verdade? Ele próprio que responda: "las inglesas de verdad... son escasas, românticas e espirituales". O que, a ser exato, levaria um intérprete do que em Cela é neo-romântico à conclusão de que, para esse seu modo de ser escritor, teriam concorrido a mãe inglesa e os Celas galegos. Uns e outros, entretanto, galegos e ingleses, conhecidos como gente também prática e realista. Mistos de sanchos e de quixotes. Contradição característica de vários dos que, no Brasil, somos hispanos nas nossas principais raízes e vocações. Existem, até, entre brasileiros, os de formação, como a de Camilo José Cela meio inglesa e meio hispânica, ou meio francesa e meio hispânica, sem que se excluam outros ingredientes. O afro-negro, entre eles. O ameríndio. O semita.
Se existem essas combinações, creio vir sendo, em grande parte, um desses escritores brasileiros nos quais predomina a combinação das duas influências: a espanhola e a inglesa. E toques de sugestões africanas e ameríndias.
Lendo certas páginas autobiográficas de Cela, encontro-me, por vezes, nesse Cela, misto de hispano e de anglo-saxão no principal de sua formação. Inclusive - ouso sugerir - no modo de sermos, os dois, escritores um tanto diferentes dos nossos vário compatriotas de feitio mais acadêmico. Ao que é possível nos tenha levado aquela necessidade de procurar compreender ao mesmo tempo que o comum, o único, em pessoas e em sociedades: tendência tão do ensaísta mais espanhol quanto do ensaísta mais britânico.
(…)
Source: FREYRE, Gilberto. Um escritor brasileiro recorda seus contactos com a Espanha. Cultura - MEC. Brasília, n. 10, v. 35, p. 103-112, jul./dez. 1980.
Fonte:
http://bvgf.fgf.org.br/frances/obra/artigos/cientificos/escritor_brasileiro.html